Longa filas, ansiedade e ligações interrompidas no meio pela falta de fichas ou de créditos nos cartões. Há cerca de 20 anos, ainda era comum encontrar quem saísse de casa em busca de um telefone público, o famoso “orelhão”. Celulares e redes sociais estavam longe de se tornar o que são hoje.
Mas engana-se quem pensa que os aparelhos, na era dos smarthphones, são algum tipo de antiguidade enfeitando as ruas do país. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostram que o Brasil possui 768 mil aparelhos. Minas Gerais é o segundo Estado do Sudeste com mais orelhões em funcionamento. São mais de 78 mil, sendo que 9.916 deles estão instalados em Belo Horizonte.
Na tarde desta sexta-feira (28), em cerca de duas horas observando a praça Sete, um dos mais movimentados pontos do centro da capital mineira, a reportagem encontrou dezenas de pessoas que, em meio à frenética correria do dia a dia, decidiram parar e tirar o fone do gancho.
“Eu ligo quase todos os dias para a minha mãe”, conta a professora Maria das Graças Bicalho, 59. Um pouco resistente à tecnologia, ela vê na praticidade das ligações pelo orelhão a melhor forma de se comunicar. “Eu não gosto muito de WhatsApp, essas coisas. Eu gosto das coisas mais simples. Aqui, eu uso cartão ou ligo de graça. É mais prático e mais barato. É ali. Pronto e acabou”, afirmou.
Se a professora Maria viveu pessoalmente os tempos áureos do orelhão, a dona de casa Luciana Natalicia, 21, havia nascido há pouco tempo quando muitos deles começavam a ser retirados de circulação. Mesmo sendo criada na era digital, a jovem se declara usuária assídua dos aparelhos. “Eu estou sempre usando. Tenho celular, mas eu prefiro ligar pelo orelhão. As pessoas deveriam utilizá-lo mais. Como eu não estou tendo crédito (no celular) ultimamente, ligo deles”, conta.
Custo. Para usar o orelhão por cerca de 40 minutos, o usuário precisa desembolsar R$ 2,50 por um cartão com 20 unidades, o mais barato. O mais caro custa R$ 7,50. Os cartões podem ser encontrados em locais como pequenos comércios, bancas de revistas, bares e mercearias.
Segundo a Anatel, em 2018, cerca de 746 mil unidades já foram vendidas no país. No ano passado foram 2,8 milhões, enquanto em 2016, foram 5,3 milhões. A agência informou ainda que é possível fazer ligações gratuitas do orelhão para telefones fixos da Oi. Para fixos de outras operadoras e para celulares é necessário o uso do cartão.
Utilidade
Serviço. Os orelhões são utilizados como telefones fixos em alguns comércios e residências. Em Minas, alguns taxistas criaram pontos em locais que possuem o aparelho, divulgando os números para clientes.
Dos 78 mil orelhões instalados em Minas Gerais, quase 23 mil estão em manutenção neste momento, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em Belo Horizonte, segundo a Oi, responsável pelos aparelhos, dos 9.916 instalados, 18% deles, ou seja, quase 1.800, passam por manutenção mensalmente após serem depredados. Os números refletem um dos maiores problemas referentes aos telefones públicos: o vandalismo.
Os danos mais comuns sofridos pelos orelhões são leitoras de cartões, monofones, teclados quebrados, pichações e colagens indevidas de propagandas nos equipamentos.
“Em alguns casos, as equipes consertam e limpam os aparelhos, e eles são danificados no mesmo dia”, afirma a Oi em nota. Ainda segundo a operadora, em BH, os locais mais vulneráveis à depredação são a praça Sete, no centro, e a Savassi, na região Centro-Sul, onde ocorrem grandes eventos. Os principais dias de depredação são as noites de sextas e de sábados.
“O brasileiro não tem um sentimento de pertencimento. O telefone público é para nós, então como pode destruir algo que é para nós?”, questionou indignada a professora Maria das Graças Bicalho, 59.
Para não correr o risco de procurar um orelhão e descobrir que ele não está funcionando, o usuário pode entrar no site da Anatel e verificar o número, a localização e o status de funcionamento do aparelho. A plataforma “Sistema Fique Ligado” pode ser acessada pelo site www.sistemas.anatel.gov.br/fiqueligado.
Caso encontre um orelhão depredado em Belo Horizonte, o usuário pode ligar para o telefone 103 31 e solicitar atendimento.
Usuários dos orelhões contaram que traficantes têm usado os aparelhos para negociar drogas, para evitar serem rastreados. “Do nada você está aqui e a pessoa está bem falando de maconha e cocaína. É meio assustador”, afirmou uma vendedora.
A reportagem procurou a Polícia Militar, que solicitou que questionamento fosse encaminhado por e-mail e não respondeu a solicitação. Já a Polícia Civil informou que não conseguiria se pronunciar sem ter detalhes de alguma investigação específica.
Curiosidades
Anos 70. O orelhão foi criado em 1971 e inaugurado em 1972. O aparelho recebeu vários apelidos, como “tulipa” e “capacete de astronauta”, porém seu nome técnico era Chu II, em referência a criadora do seu design, a arquiteta Chu Ming Silveira, que nasceu na China.
Anos 90. Em 1992, as fichas telefônicas foram substituídas pelos cartões, que se tornaram objetos de coleção para brasileiros.
Por Mariana Nogueira - OTempo
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