As mortes de quatro integrantes do Ministério do Trabalho em pleno exercício da profissão, episódio conhecido como chacina de Unaí, impuseram uma rotina de medo e dor entre familiares e colegas de profissão das vítimas. Enquanto isso, as vidas dos que são apontados como mandantes do crime seguem o curso normal. Norberto Mânica ainda é o “rei do feijão”, e o irmão dele, Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, não descarta retornar ao cenário político nas próximas eleições.
Os outros sete envolvidos no crime, que acaba de completar 15 anos, já foram condenados. Três deles estão na prisão, um morreu, um já pagou a pena, e os demais recorrem em liberdade, como mostrado ontem pelo jornal O TEMPO. Em novembro do ano passado, Norberto assumiu a autoria do crime e inocentou o irmão, o que provocou a anulação do julgamento de Antério. Mas os dois aguardam as definições da Justiça em liberdade.
“Norberto nos surpreendeu quando ele confessou o crime. Ele nunca havia me dito que tinha sido o mandante. Nós até cogitamos no escritório deixar o caso”, conta o advogado dele, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Segundo ele, mesmo com a condenação, Norberto está em liberdade por causa de habeas corpus obtido no passado. Enquanto existir recursos a serem julgados, “ele tem o direito de aguardar em liberdade”, explica Kakay.
Antério, que teve condenação de cem anos, vai ter que passar por um novo julgamento e está apto para voltar à política. Possibilidade que não é descartada pelo fazendeiro, que já foi prefeito em Unaí, na região Noroeste de MG – a vitória nas urnas aconteceu quando ele estava preso. Agora, ele avalia se tenta a reeleição na cidade para restabelecer contatos e, depois, concorrer ao cargo de deputado federal.
“Duas pessoas que estão falando que vão se candidatar vieram me procurar para dizer que, se eu me candidatar, não vão bater de frente comigo, aceitariam ser meus vices. Mas vou ter que refletir direito”, disse Antério em entrevista à reportagem de O TEMPO.
Enquanto isso, a viúva do procurador assassinado Eratóstenes de Almeida Gonçalves, Marinez Lima, espera um desfecho do caso para poder viver o luto. “Estamos sofrendo há 15 anos, e os mandantes do crime estão soltos. Dá muita indignação ver que os filhos dos quatro já cresceram, porque todos tinham filhos, e a Justiça não foi feita”, afirma.
A companheira de Nelson José da Silva – procurador que era o alvo principal dos atiradores no dia da emboscada –, Helba Soares da Silva, até hoje não se recuperou da perda. “Como os mandantes ainda estão soltos, eu morro de medo. Não saio à noite e evito viajar”, conta.
Como não era casada no civil, tinha apenas um documento que comprovava união estável, Helba até hoje não conseguiu receber a pensão por morte a que teria direito. “E o pior é que, como os Mânica têm muita influência na cidade, eu nem sequer consigo emprego. Tive que alugar minha casa e morar de favor na casa da minha irmã. Às vezes, faço uns bicos porque não consigo ser contratada”, conta.
Depoimento
Medo. Um auditor que não quis ser identificado disse que, mesmo antes da chacina, tinha medo de fiscalizar as fazendas dos Mânica. “Eu presenciei ameaças feitas por eles e evitava ir lá”, disse.
Minientevista
Antério Mânica
Ex-prefeito de Unaí, apontado inicialmente como um dos mandantes do crime
Como foi para você conviver com essa acusação durante os últimos 15 anos?
Passei praticamente 15 anos sem poder dormir, em um desânimo total, injustamente. Porque não é que não tenha prova suficiente. Na verdade, não tem prova nenhuma que me incrimine. Eu não participei de nada da história. A imprensa comprou essa história. Tudo o que os auditores ou o Ministério Público diziam era tido como verdade. A minha verdade, graças a Deus, alguém reconheceu no tribunal.
Como você recebeu a anulação da sua sentença e definição de novo julgamento?
Foi um alívio, mas foram 15 anos de cabeça cheia de problemas. Quem me conhece aqui em Unaí, 95% no mínimo vai falar bem de mim. O pessoal me conhece.
Como ficou sua relação com seu irmão depois que ele assumiu ser o responsável pelo crime, já que ele deixou você ser acusado esses anos todos?
O Norberto chamou todos os irmãos, somos oito ao todo, e se retratou. Ele falou que achava que não ia dar nada para mim porque não tinha prova nenhuma que me incriminasse. Achou que eu ia ser liberado. Ele pediu desculpa, chorou como uma criancinha e decidiu fazer uma declaração de que eu não tinha participação nenhuma.
Mas algumas testemunhas disseram que o Nelson vinha sendo ameaçado por vocês. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Eu nunca conversei com o Nelson. O Norberto que participou de uma reunião com ele, mas as pessoas fazem confusão entre nossos nomes. Tanto que está isso no processo, que não tem prova nenhuma. Não encontraram indício de participação minha no crime.
Minientrevista
Helba Soares da Silva
Viúva de Nelson José da Silva, procurador que era alvo principal dos atiradores
As investigações apontam que o alvo principal era o Nelson, seu marido. Ele demonstrava medo ou preocupação?
Ele que atuava na região, então era o alvo principal. O Nelson sempre falava que tinha medo, que esse povo ainda ia dar um tiro nele. Um dia eu perguntei quem era, e ele me disse que seriam os Mânica. Ele chegou a ser ameaçado, inclusive.
No dia em que ele foi ameaçado, ele te contou ao chegar em casa?
Na verdade ele chegou preocupado, mas não me contou os detalhes. Depois eu vi o documento no computador dele relatando ao Ministério do Trabalho a ameaça. Mas, ele ficou todo preocupado, colocou cerca elétrica em casa. Para sair de casa, ele sempre olhava bem a rua antes. Em uma viagem que a gente fez, o carro estragou no meio da estrada. Eu via o medo na cara dele.
E depois da morte dele, você ficou com medo?
Eu tenho medo até hoje, porque essa família é dona da cidade. Tanto que o Antério foi eleito prefeito quando estava na cadeia. E já está falando pela cidade que vai se candidatar de novo. Eu evito sair da cidade porque aqui todo mundo me conhece e, se acontecer alguma coisa comigo, todo mundo vai saber quem pode ter sido. Mas tomo todo cuidado também. Até hoje, quando saio, passo por caminhos alternados para não ser fácil me pegar.
Mas você já recebeu alguma ameaça?
Diretamente, não. Mas, logo depois do assassinato, eu sempre via umas pessoas me seguindo, tirando foto da minha casa. Depois que comuniquei ao Ministério Público, parou. Acho que era uma tentativa de me intimidar, já que eu era testemunha.
Por Tatiana Lagôa - OTempo
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