“Vontade de largar tudo e viver da minha arte”: são muitos aqueles que se cansam da rotina tradicional de trabalho e ameaçam deixar tudo para trás para adotar um novo estilo de vida, mas poucos realmente colocam o plano em prática. Um casal belo-horizontino faz parte desse segundo grupo, e agora viaja pelo Brasil em uma kombi, enquanto vende artesanato.
A turismóloga Fernanda Reis Fernandes, de 38 anos, e a fotógrafa Marcela Ribeiro, de 36, chegaram a Paraty, no Rio de Janeiro, neste sábado (13). A parada faz parte de uma trajetória até o Sul do país, que deve ser percorrida aos poucos e sem pressa dentro da Pagu, nome da “kombihome” em que vivem e viajam.
No meio do caminho, as duas vendem pulseiras e brincos de macramê, ímãs de geladeira, chaveiros e outras peças de artesanato feitas dentro da kombi. A cada estadia em uma cidade diferente, elas também conseguem trabalhos temporários em bares, restaurantes e pousadas, para ajudar no sustento do estilo de vida.
O casal compartilha a aventura na página de Instagram “Pagu pelo Mundo”, que já acumula mais de 3 mil seguidores. À reportagem, Fernanda conta de onde veio a ideia de abandonar o modelo tradicional de trabalho e detalha os desafios e os benefícios da vida em uma “motorhome” – como são chamados os veículos adaptados para incluírem espaços de convivência.
Casal se une para pagar despesas da kombi e aprimorar a casa (Marcela Ribeiro)
Desde criança, Fernanda já se encantava pela ideia de viver viajando e mantinha uma paixão por kombis. Formada em turismo pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), a mineira nunca se conformou com o padrão de oito horas de trabalho por dia, férias pontuais e viagens curtas.
“Por questões financeiras e também por esse padrão imposto a todo mundo, fui crescendo e deixando esse sonho de lado. Depois que me formei, pensei muito na minha vida e comecei a rever se queria mesmo seguir daquela forma. Se fosse esperar a aposentadoria para começar a viver na estrada, ia demorar demais”, conta.
Em relacionamentos anteriores, a turismóloga conta que sempre teve a ideia da kombihome questionada e nunca foi encorajada a realizar o sonho. Mas, pouco antes da pandemia de Covid-19, ela conheceu Marcela, que topou a aventura.
“Nós vivemos a vida inteira questionando esse sistema de trabalho, carteira assinada, competitividade… Quando nos encontramos, vimos que tínhamos a mesma visão. Nós duas temos duas carteiras de trabalho, de tanto que trocávamos de emprego. Às vezes a família falava que a gente ‘não quer nada com a vida’, mas não é isso. Amamos trabalhar, mas só achamos que podemos viver a vida, conhecer lugares, aproveitar mais as coisas depois de sair desse sistema”, conta.
Foi a pandemia que encorajou o casal a colocar o sonho da kombihome em prática. O projeto de um evento que Fernanda estava planejando caiu por terra com as medidas de isolamento impostas, e a frustração a impulsionou a realizar o desejo.
Em novembro de 2020, as duas chegaram até Maragogi, no litoral alagoano, e o plano era continuar percorrendo o Nordeste brasileiro e também conhecer o Norte. Mas com a alta de casos de Covid-19 no início deste ano, elas decidiram abortar a missão depois de três meses e voltar para BH para esperar a vacina.
Casal chegou a passar temporada no Nordeste, mas voltou por causa da pandemia (Marcela Ribeiro)
Já com as duas doses do imunizante e com a diminuição da incidência de casos da doença no país, Fernanda e Marcela resolveram voltar à kombihome. Desta vez, elas deixam BH rumo a São Francisco do Sul, em Santa Catarina, para a turismóloga resolver algumas questões pessoais.
“Estamos indo aos poucos, conhecendo as pessoas, descobrindo lugares novos. Ainda queremos voltar para o Nordeste, porque paramos pela metade, mas ainda tem tempo. Não temos planos de parar, só queremos seguir e viver assim, aprimorando a kombi aos poucos”, relata.
Kombi hoje conta com fogão, pia e reservatório de água (Marcela Ribeiro)
O casal costuma ficar pelo menos duas semanas em cada cidade escolhida como parada. Elas contam com trabalhos pontuais em estabelecimentos de cada local, além da ajuda de quem se dispuser a colaborar com o pagamento das despesas ou com lugares para tomar banho, por exemplo.
“Com o combustível no preço que está, não dá para ir tão rápido, temos que ficar mais tempo em cada cidade. Mas só conhecemos gente boa, não tivemos nenhum problema com segurança, sempre nos cuidamos para garantir isso. Em algumas cidades, podemos não ser tão bem recebidas, mas o motorhome ainda é muito novo no Brasil e muita gente ainda não está acostumada”, pontua.
Com o dinheiro da venda do artesanato, além dos trabalhos pontuais nas cidades e de “freelas” de fotografia que Marcela consegue, o casal sustenta um estilo de vida simples e minimalista. O foco é pagar pelo combustível e pela manutenção da kombi e, aos poucos, ir aprimorando o veículo para conseguir mais conforto.
“Comemos comidas muito simples, não compramos roupa, só fazemos passeios turísticos pelas cidades quando sobra algum dinheiro. Mas vivemos tranquilas na mente. Não vamos romantizar, sempre tem desafios, mas amamos essa vida”, explica.
Hoje, a Pagu conta com um fogão e um botijão de gás, uma pia e um pequeno reservatório de água. O plano do casal é investir em uma placa de energia solar na kombihome, para depois também instalar um frigobar no veículo.
“Não temos pretensão de construir algo muito chique. Queremos ter um lugar bom para viver e trabalhar. Muitos chamam de loucura, a gente chama de vida”, finaliza Fernanda.
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