“Meu pai disse que depois do acidente colocou a mão nela, sentiu uma respiração leve e depois ela não se moveu mais. Ainda com a minha mãe no chão, meu pai a chamou, e ela já não respondia mais.” O relato é da assistente administrativo Gabriela Campos, 32, filha de Eliane Aparecida Campos, 56, que morreu na madrugada da última terça-feira (15), atropelada por Leandro Coelho, 43, embriagado e com a carteira de habilitação suspensa.
O motorista fugia de uma blitz na avenida Cristiano Machado e acabou atingindo a professora, o marido, Márcio Luciano dos Santos, 58, e uma idosa em situação de rua, em acidente no bairro Ipiranga, na região Nordeste de BH. Ele foi preso mais uma vez pelo crime de dirigir embriagado – é a terceira, o que leva especialistas a defenderem maior rigor da Lei Seca.
Na fuga da operação – feita para verificar documentação de veículos e condutores, e dar orientações sobre trânsito, segundo o tenente do Batalhão de Trânsito Carlos Alexandre Lobato –, o motorista bateu em um carro parado, perdeu o controle e atingiu o trio, na calçada.
Eliane e o marido voltavam de um jantar e davam socorro à idosa, que se sentiu mal, quando os três foram atingidos. “Acertou em cheio as pessoas que estavam na calçada, do outro lado da rua”, disse o tenente.
Márcio teve leve torção no pé e chegou a ser hospitalizado, mas recebeu alta. Já a idosa, gravemente ferida, foi socorrida para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII – a unidade informa o quadro de saúde de pacientes apenas a parentes.
O condutor se negou a soprar o bafômetro, mas foi preso por apresentar sinais relevantes de embriaguez. Ele acumula diversas infrações gravíssimas e somente poderia dirigir após fazer curso de reciclagem. “O condutor tem duas ocorrências de embriaguez e outras por direção perigosa. Ele foi preso três vezes por crime de trânsito (esta foi a terceira). Apresentava fala desconexa e mal conseguia ficar de pé”, detalhou o tenente.
Dentro do veículo, foi encontrada uma armade airsoft – semelhante a um fuzil – sem nota ou documento de posse, que foi apreendida e entregue à Polícia Civil. O veículo foi removido para o pátio do Detran, e o motorista acabou preso em flagrante por homicídio culposo e lesão corporal, qualificados pela embriaguez, além de violação de suspensão da habilitação e desobediência.
Despedida
O velório será nesta quarta-feira (16), no Cemitério da Saudade, em BH, a partir das 9h; e o enterro, às 11h.
Silêncio
A reportagem telefonou para o advogado do condutor mais de uma vez e mandou mensagens, mas não tinha obtido retorno até a publicação desta reportagem.
É necessária mais rigidez na punição, defende especialista
Números deixam em evidência o aumento no número de acidentes de trânsito, em Minas Gerais, por conta da perigosa combinação entre álcool e direção. Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), foram 5.083 registros, em 2021, e 4.900, em 2020, aumento de 4%. Em média, por dia, houve 14 acidentes relacionados a embriaguez durante o ano passado no Estado.
“Sem dúvida, os dados mostram que é preciso pesar mais a mão nas medidas penal e administrativa. Talvez seja a hora de aumentar a quantidade de blitze para passar a sensação de que beber e dirigir não vai gerar impunidade, pelo contrário, o motorista pode ser parado numa fiscalização, ter o carro apreendido e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa”, pontua o advogado Kallyde Cavalcanti, que atua em casos relacionados à Lei Seca.
Em vigor desde 19 de junho de 2008, a legislação veio para conscientizar a população sobre os riscos de dirigir depois de ingerir bebidas alcoólicas. Cavalcanti exemplifica destacando que, anteriormente, quando havia morte em acidente automobilístico com suspeita de embriaguez, era considerado culposo – sem intenção de matar.
“Hoje já se entende que, quando temos resultado morte, é homicídio doloso, ou seja, a pessoa assumiu o risco da prática do delito quando pegou o volante após dirigir. A pena varia de seis a 20 anos. Isso é um avanço. A população só toma consciência quando a pena é mais alta”, afirmou. E acrescentou: “É sinal de que precisamos rever as medidas. Os parlamentares precisam elaborar leis rígidas, o momento pede”.
Penas
As penalidades variam conforme o nível de álcool no sangue e vão de infração a crime de trânsito. O condutor que opta por não soprar o bafômetro é avaliado pelo agente fiscalizador, que leva em consideração critérios do Conselho Nacional de Trânsito.
“Lei que não é aplicada vira lei morta”
Embriagados perdem os mecanismos de defesa contra atitudes impulsivas e estão suscetível a tomar decisões com efeitos nada desejados, segundo Frederico Garcia, professor do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A pessoa assume o risco de, por exemplo, dirigir embriagado”, detalhou.
Ele também defende mais blitz: “Deveria ter mais fiscalização. O bafômetro e a Lei Seca são fatores inibidores, mas a lei que não é aplicada acaba se tornando lei morta”.
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