A indústria brasileira de ferro-gusa, especialmente concentrada em Minas Gerais, enfrenta uma das maiores crises de sua história recente. A iminente aplicação de uma tarifa de 50% sobre as exportações do insumo para os Estados Unidos, prevista para entrar em vigor na próxima sexta-feira (1º) já provocou a paralisação de usinas, suspensão de embarques e adoção de férias coletivas.
Sete Lagoas, o maior polo produtor de ferro-gusa do Brasil, responde sozinha por cerca de US$ 600 milhões (R$ 3,3 bilhões) em exportações. Nessa quinta-feira (24), a CSS Siderúrgica Sete Lagoana, uma das várias empresas do tipo na cidade, anunciou a interrupção das atividades de produção por tempo indeterminado, suspendendo também a compra de carvão vegetal, indicando uma parada total nas operações.
“Não há como redirecionar essas vendas em pouco tempo para outros mercados”, afirmou Fausto Varela Cançado, presidente do Sindicato da Indústria do Ferro em Minas Gerais (Sindifer). Os Estados Unidos são o principal destino do ferro-gusa brasileiro, absorvendo cerca de 68% das exportações do estado.
Em 2024, o Brasil exportou 3,3 milhões de toneladas do insumo para o mercado norte-americano — 86,9% do total embarcado pelo país. Minas Gerais respondeu por 85% desse volume. Com a Rússia fora do mercado desde 2022, o Brasil lidera como fornecedor, à frente de Ucrânia e Índia.
A SDS Siderúrgica, com unidades em Sete Lagoas e Divinópolis, já teve embarques para os EUA suspensos. A planta de Divinópolis, recém-inaugurada com um investimento de R$ 25 milhões, destinaria até 70% da produção ao mercado norte-americano. Agora, a retomada está indefinida. “É um retrocesso. Produzimos um gusa verde, com carvão vegetal, que ajuda a reduzir as emissões da indústria americana”, afirma o empresário Frederico Henriques Lima e Silva. A usina em Sete Lagoas emprega 380 pessoas; a de Divinópolis, projetava 160 empregos diretos.
A crise também se espalha para o Espírito Santo. A CBF Indústria de Gusa, do grupo mineiro Ferroeste, pode paralisar um alto-forno e adotar férias coletivas. “Nosso fôlego vai até o fim do mês”, alertou Silvia Nascimento, presidente da empresa, que também lidera a Aço Verde do Brasil. Segundo ela, grandes compradoras americanas como Nucor e Steel Dynamics dependem do gusa brasileiro. “Com uma tarifa de 50%, não há viabilidade econômica para manter os contratos.”
A FERGUBEL, sediada em Matozinhos, anunciou parada técnica de 30 dias e concedeu férias aos colaboradores, classificando a medida como estratégica para garantir a sustentabilidade do negócio. “Sabemos que o momento é desafiador, mas seguimos firmes… Acreditamos que, com união e estratégia, superaremos mais este cenário adverso”, informou a empresa em nota.
A escalada da crise vem em um momento de escassez global de matéria-prima e alta nos preços. O ferro-gusa está cotado entre US$ 450 e US$ 500 por tonelada, mas a substituição pelo uso de sucata, considerada por algumas siderúrgicas americanas, não é viável segundo o Sindifer. “A qualidade não é a mesma e, com a demanda elevada, a sucata também encarece”, disse Fausto Varela.
O presidente do Sindifer, no cargo desde 2010, avalia o cenário como um dos mais graves já enfrentados pelo setor. “Estamos em diálogo com clientes e autoridades, mas não há sinais concretos de reversão da medida. Se a tarifa for mantida, muitos fornos serão desligados no Brasil.”
Dados do setor em 2024:
§ Exportações totais: US$ 1,65 bilhão (R$ 9,1 bilhões)
§ Minas Gerais: US$ 1,15 bilhão (70% do total)
§ Participação dos EUA nas importações: 86,9%
§ Matéria-prima: gusa verde (com carvão vegetal)
§ Empregos diretos em Sete Lagoas: cerca de 400 por usina
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