A cidade se tornou notícia nacional e a APAC, em particular, centro das atenções da imprensa nacional com a chegada do publicitário Marcos Valério, condenado pelo Supremo Tribunal Federal há mais de 37 anos e meio de prisão por ter sido o operador dos mensalões do PSDB e do PT. Sua chegada foi às 19h30 de segunda-feira, vindo da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Marcos Valério fechou delação premiada com a Polícia Federal e aguarda a aprovação do STF, pois o que tem a falar envolve figuras da República que detém foro privilegiado. Até que o Supremo decida se valida ou não a delação – tudo indica que sim – o caso permanece sob sigilo de Justiça. Nesta quarta-feira (19), o diretor da APAC falou à imprensa pela primeira vez. Na entrevista ao repórter Caio Pacheco, do Megacidade.com, Flávio Rocha diz como a APAC funciona, a diferença do modelo da APAC para o sistema prisional e como Marcos Valério está vivendo seus primeiros dias em Sete Lagoas.
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Há quanto tempo a APAC existe?
Dr. Flávio Rocha -A APAC exste há 16 anos em nossa comarca, temos hoje 92 recuperandos e a capacidade para 100 recuperandos.
O senhor está aqui desde o início. Qual avaliação dos resultados da APAC em Sete Lagoas?
Dr. Flávio Rocha - A APAC é uma metodologia criada em 1972 que já era uma metodologia de muito sucesso em outros municípios, em Itaúna, em São Paulo e aí nasceu em nosso município., graças a Deus, em 2001. Hoje podemos afirmar que nesses 16 anos tivemos muitas glórias. Isso em números reais. De fato, a nossa reincidência é de 30% que é uma coisa maravilhosa se comparada ao sistema tradicional, que gira em torno de 80% de reincidência. Isso em números, em números reais. Isso sem contar que é você mudar a vida de um ser humano, mudar o rumo da vida dessa pessoa, que não tinha esperança, que vivia em confronto com a sociedade, com a lei e que, depois que passou pela metodologia, passou a ser uma pessoa de bem, que está vivendo feliz com todos os outros cidadãos, que nos encontra nas ruas e nos diz: “nossa, eu não sabia como era tão bom andar na honestidade, no caminho de Cristo. Hoje eu consegui tudo, casa, minha família, eu tenho um serviço.” Tem a felicidade. Isso não tem nem preço. A gente não tem como quantificar. É uma coisa maravilhosa.
O senhor se recorda quais casos mais lhe marcaram?
Dr. Flávio Rocha - Ah, eu te falo que são todos., todos, todos. Eu me lembro de cada um. Eu encontro cada um. Nesses dias mesmo, em uma casa de construção, eu estava lá e quando fui cumprimentado, meio que despistado – obviamente sei respeitar as pessoas – cumprimentei também discretamente essa pessoa, mas era um ex-recuperando que talvez não quisesse cumprimentar com tanta eloquência por causa dos outros que sabem aonde mexo e , assim, talvez fazer uma analogia de que ele já tenha passado por aqui. Mas não interessa. Foi uma vitória. Eu vi que ele estava com um uniforme de uma empresa, está trabalhando, e era uma pessoa dita assim, muito problemática. Eu me lembro, essa pessoa me marcou porque na passagem dele aqui, a mãe era muito presente. A mãe acusava muito a polícia de que só prendiam o filho dela por causa do apelido. E a gente falava para ela: “não, a senhora está enganada, não é por isso, a senhora tem que ver a realidade, são as ações dele, os atos do seu filho que estão levando ele para o caminho ruim.”. Encontrei essa pessoa, ela está bem, está trabalhando, há muitos anos está na rua, é maravilhoso. É uma coisa impagável.
Ao dizer que é impagável, é interessante dizer às pessoas como é o dia a dia na APAC.
Dr. Flávio Rocha - O dia a dia aqui é um dia puxado. Às 6h da manhã tem a alvorada, depois têm os cuidados pessoais, depois tem a oração, café da manhã, e depois do horário normal, às 8h, tem o trabalho que vai até a hora do almoço. Eles almoçam e depois voltam ao trabalho. À tarde, terminam o trabalho, voltam, se arrumam, vão para o jantar, depois para os cultos, cada um em seu segmento, pois a APAC é ecumênica. Tem também a ajuda do NA , do AA, são parceiros, palestras de valorização humana, e, quando não estamos no período de férias, tem a escola regular, estadual, aqui. Eles estudam, quem ainda não formou. Então é uma rotina completa. Não tem ociosidade.
No início da entrevista, o senhor falou da reincidência na APAC – 30% - e no sistema prisional convencional, 80%. O que faz a diferença, o que faz esse disparate existir?
Dr. Flávio Rocha - Nesse contexto todo, eu vou te dizer que é uma coisa, que é a metodologia. A metodologia é um conjunto de coisas, são 12 elementos. Nesses 12 elementos existem o trabalho, a religiosidade, a família, existe a valorização da pessoa, existe o cuidado da questão jurídica, da saúde. Então é um conjunto de 112 elementos, trabalhando até mesmo o mal que eles fizeram a outras pessoas na sociedade para que eles tenham consciência do erro que eles cometeram. Ninguém os colocou aqui dentro. Não foi a sociedade, não foi a polícia, não foi ninguém. Foram as suas ações. Então, eu só posso dizer que foi a metodologia. Essa é a diferença, a grande diferença.
A APAC recebeu o publicitário Marcos Valério e se tornou notícia nacional. Como o senhor lidou com isso, como foi a chegada dele?
Dr. Flávio Rocha - Não, tranquilo! É uma pessoa normal, cometeu um crime, teve a sua liberdade cerceada, estava presa há mais de três meses e meio, ele tem todos os requisitos para vir para a APAC, ele tem imóvel, tem ligação aqui na cidade. Tem uma fazenda no município vizinho de Caetanópolis, que é da Comarca de Paraopeba. Hoje temos um acordo em que as mulheres infratoras de Sete Lagoas estão em Paraopeba e os homens de Paraopeba estão em Sete Lagoas. Então é normal. Paraopeba é uma cidade irmã, nós a frequentamos, temos parentesco. Então foi normal a vinda dessa pessoa. Na nossa visão ele é mais um. É mais um recuperando que será tratado e recuperado, se Deus quiser.
Como foi o primeiro instante, o primeiro contato?
Dr. Flávio Rocha - Como eu disse, é bem normal, principalmente de minha parte e de todos aqui. Ele não é estrela, não é diferente, vamos trata-lo como um recuperando. Errou, está pagando o seu erro, para quem está há 3 anos e meio na cadeia não é brincadeira, Três anos e meio preso...tem que ficar dentro de seu quarto pelo menos três dias. Na APAC não há diferenciação nenhuma.
O cotidiano segue?
Dr. Flávio Rocha - Segue. Ele é que entra no cotidiano da APAC. Nós é que não entramos no ritmo dele. Ele é que entra em nosso ritmo. O ritmo dele foi cerceado quando ele foi preso, quando sua liberdade foi cerceada. Andava pelo mundo inteiro, agora não anda mais. Como tantos outros.
A interação dele com os demais, como tem sido?
Dr. Flávio Rocha - É como disse: ele entra no nosso ritmo, no ritmo da APAC. Os outros que estão aqui na metodologia o tratam da mesma maneira. É a mesma coisa. No outro dia já começa a trabalhar, a ir para a laboterapia, aquele ritmo, acordar cedo, fazer a higiene, tomar café. Ao ritmo apaqueano.
O senhor tem uma expectativa de quanto tempo Marcos Valério permanecerá na APAC?
Dr. Flávio Rocha - Não. Não porque depende do setor jurídico. O setor jurídico ainda não avaliou o caso dele. E tem os advogados particulares. Sabemos pela grande imprensa que ele tem condenação de 37 anos. Menos 1/6 é só fazer a conta.
Além desta questão numérica, mais de 30 anos de prisão, o que o diretor da APAC que Marcos Valério seja ao sair?
Dr. Flávio Rocha - Espero que ele absorva tudo que será repassado para ele. Que ele obtenha todos os êxitos em sua vida, encontrar Jesus, encontrar a verdade e caminhar no caminho do bem. Então a gente deseja isso: que ele tenha sucesso como todos os outros, que passaram pela APAC e que foram recuperados.
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