Lama de barragem chegaria a 50 km/h a Barão de Cocais

A velocidade inicial da onda de rejeitos de minério da barragem Sul Superior, na mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais, na região Central do Estado, pode chegar a 50 km/h caso o reservatório se rompa, aponta o novo relatório de análise de risco (“dam break”) entregue pela Vale à Justiça na última terça-feira. Segundo o documento, ao qual a reportagem teve acesso, o cenário mais crítico foi simulado considerando-se o colapso da estrutura em um dia chuvoso.

A essa velocidade, o impacto dos 6,8 milhões de metros cúbicos de lama que vazariam da barragem seria semelhante ao do atropelamento de uma carreta a 50 km/h, calcula Carlos Martinez, professor do Instituto de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá (Unifei).

Ainda conforme o estudo, a velocidade dos rejeitos seria reduzida durante o trajeto. Na comunidade de Socorro, primeira a ser atingida em caso de rompimento, os detritos chegariam a uma velocidade média de 14 km/h, o suficiente para causar a destruição de parte do povoado.

A Prefeitura de Barão de Cocais teve acesso ao documento nesta quarta-feira (22). Segundo o prefeito Décio Geraldo dos Santos (PV), não há grandes mudanças em relação ao que já foi apresentado em estudos anteriores. O chefe do Executivo local já havia manifestado preocupação diante do risco iminente de queda do talude da mina de Gongo Soco, que poderia ter repercussões sobre a barragem, que distante apenas 1,5 km da estrutura.

Moradora da comunidade de Socorro, na zona rural de Barão de Cocais, a dona de casa Maria das Dores Santos, 37, é uma das 443 pessoas que foram retiradas preventivamente de casa por estarem na chamada “zona de autossalvamento”, onde não daria tempo de o apoio chegar em caso de desastre. “A gente fica na ansiedade sem saber se essa barragem vai romper ou não. Saímos de casa, deixamos tudo para trás. A história da minha vida está lá”, afirma.

Além do receio de ficar sem nada, ela e a família ainda sofrem com a falta de recursos financeiros. “Meu marido e meu filho de 18 anos trabalhavam lá na comunidade. Agora eles estão sem trabalhar. Estamos passando um aperto grande”, conta. Moram na mesma casa ela, os três filhos, de 14, 18 e 20 anos, e o marido.

Explicações

Respostas. Procurada, a Vale disse que as prefeituras das cidades afetadas tiveram acesso ao “dam break”. A Defesa Civil estadual confirmou que recebeu o relatório, mas não comentou o conteúdo.

Rede de saúde à beira do caos

A cidade de Barão de Cocais, na região Central de Minas Gerais, sente cada vez mais fortemente os impactos da iminência de queda de um talude da mina de Gongo Soco, da Vale. Correios de lá foram fechados, assim como uma agência de banco, e a rede municipal de saúde está à beira de um colapso.

O prefeito Décio Geraldo dos Santos (PV) afirma que a Vale se recusa a passar recursos para atendimento médico e quer ajuda do presidente Jair Bolsonaro (PSL). “Não admito nenhuma morte por causa disso”, afirma. O município registra aumento na procura por atendimento no setor de saúde, com casos de hipertensão e demandas na área psicológica, desde o dia 22 de março, quando o nível de alerta da barragem Sul Superior, da Vale, no município, foi elevado a 3, de ruptura iminente.

O risco mudou completamente a rotina dos cerca de 32 mil habitantes. “A população está aterrorizada, e com toda a razão. As pessoas estão adoecendo muito, e por estresse, de esperar algo acontecer”, afirma Santos.

O pastor Wellington Ricardo Martins de Souza afirma que a situação na cidade é “agonizante” e registra aumento no número de atendimentos a fiéis. “Casal que não brigava está brigando. Alunos com notas boas na escola já não as têm mais”, relata. O religioso afirma que, antes do risco de rompimento da barragem, realizava três atendimentos sociais por semana. Agora, faz até 12.

Em nota, sobre recursos para a área de saúde, a Vale afirma que desde o dia 8 de fevereiro, após a evacuação dos moradores da zona de autossalvamento (ZAS), foram realizados cerca de 1.400 atendimentos médicos e distribuídos 1.400 medicamentos. (Com agências)

Nova manifestação por vítimas

Enquanto os moradores de Barão de Cocais, na região Central, torcem para não protagonizarem uma tragédia, os familiares e amigos das vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, lamentam as perdas. No próximo sábado, eles vão se reunir para homenagear os mortos e desaparecidos no desastre.

O evento será para lembrar os 120 dias de ausência dos entes queridos. O encontro será em frente ao marco monumento de Brumadinho, a partir das 11h30. Em um folheto de divulgação, a ação é anunciada como um “ato em honra às vítimas no crime da Vale em Brumadinho”.

Na programação, estão previstas músicas, chamada das vítimas, homenagem e culto ecumênico.

Os manifestantes pedem que todas as vítimas sejam encontradas e identificadas e que os culpados sejam responsabilizados pelo rompimento da barragem. Além disso, eles esperam que um memorial seja criado no local onde ocorreu o desastre, que já registra 241 mortes confirmadas. Outras 29 pessoas continuam desaparecidas.