No dia 5 de novembro de 2015, Mônica Santos, 33, saiu de manhã de sua casa em Bento Rodrigues, em Mariana, na região Central do Estado, para trabalhar e nunca mais pôde voltar. “Eu não tenho mais nada que me pertence. Perdi coisas que dinheiro nenhum vai pagar, como a única foto que eu tinha do meu avô que morreu”, diz. Além das perdas que não têm reparação financeira, Mônica convive com a angústia de não ter um lar próprio para morar depois de mais de três anos do rompimento da barragem de Fundão. O problema não envolve dinheiro nem mão de obra. A Fundação Renova, criada para executar as reparações socioeconômicas e ambientais da tragédia, conta com 8.500 colaboradores, entre empregados diretos, com carteira assinada, e indiretos, e já desembolsou R$ 5,7 bilhões desde 2016, valor repassado pelas donas da Samarco, Vale e a australiana BHP.
Para se ter ideia do dinheiro já disponível, e que ainda não resolveu todos os problemas, dos 853 municípios mineiros, só 13 têm um PIB anual maior do que esse valor, que se assemelha à receita de um ano de uma cidade como Governador Valadares. Equivale ainda a 23 vezes a receita de Mariana, de R$ 246,22 milhões em 2018.
Para a Mônica, a Fundação Renova não cumpre seu papel. “Eles não solucionam nada. Se hoje eu estou nesse apartamento alugado em Mariana, é graças ao Ministério Público, e não por causa da Renova. Até hoje só estou recebendo ajuda emergencial”, critica ela. “A Fundação Renova faz reuniões e reuniões para ludibriar a gente. Os gastos milionários são com publicidade e propaganda”, acrescenta.
Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Guilherme Meneghin afirma que a Renova nunca se comprometeu a fazer nada espontaneamente. “Todos os direitos que os atingidos conquistaram, inclusive a garantia do aluguel das casas em Mariana, aconteceram por meio de ações judiciais”, aponta. “Se demitissem metade dos colaboradores e distribuíssem o dinheiro entre os atingidos, seria melhor. É um misto de incompetência e antiética, e os atrasos são fruto disso”, ressalta o promotor.
A Renova diz que se empenha “para conduzir as obras do reassentamento com celeridade e senso de urgência”. Ela mesma admite, porém, “que os prazos do reassentamento são influenciados pelo processo coletivo” e “ diretrizes do reassentamento definidas com a comunidade, comissão de atingidos, assessoria técnica, com acompanhamento do Ministério Público”, diz em nota.
Segundo uma fonte ligada ao processo, que pediu anonimato, os maiores problemas são o excesso de atribuições e a dificuldade da Renova em dizer “não”. Ela questiona medidas do MP, por não terem critérios e por levarem em conta opiniões de agentes não tão ligados ao processo. “A complexidade é enorme. Existem várias situações inéditas que vão surgindo, como um casal que se separou e, em vez de uma casa, agora pede duas. Pelo TTAC que criou a Renova, o conceito de reparação integral ficou meio que em aberto. A Renova analisa tudo, mas a questão é que ela não está separando o joio do trigo. Joga tudo na máquina e acaba travando. Deveria cuidar primeiro do trigo e deixar o joio para depois, para acelerar a solução”, diz.
Falta de diálogo engessa ações
Ex-ministro e ex-secretário do Estado de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho é consultor da Renova e vê problemas na origem da entidade, que surgiu de um acordo extrajudicial entre Samarco, Vale e BHP, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo e o governo federal, que gerou um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). “Não questiono as boas intenções de quem propôs a estrutura, mas são câmaras técnicas demais. Essa estrutura engessa a entidade e influencia no tempo de resposta. E não é culpa da Renova, ela foi criada para ser assim”, afirma Carvalho.
Ele critica a falta de diálogo entre o Comitê Interfederativo (CIF), que é independente da Renova e composto pelo poder público, e o Conselho Curador, no qual estão as mineradoras que financiam a Renova. “O CIF define o que deve ser feito. Só ele é formado por mais de dez câmaras técnicas, com mais de cem pessoas. Depois, a Renova solicita do Conselho Curador as verbas, que fica entre as duas instâncias”, explica.
Valor seria suficiente para 40 mil imóveis
Com R$ 5,7 bilhões, seria possível construir 40.714 apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) de R$ 140 mil. “Se fosse para construir conjuntos habitacionais, como MCMV, já teria entregado há muito tempo. O objetivo dos envolvidos, no entanto, é tentar reproduzir um modo de vida (para os atingidos)”, diz o ex-ministro e ex-secretário de Estado de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho. “Não se trata só de dinheiro. Não adianta construir apartamentos luxuosos. Não é isso que atende o atingido”, avalia.
Para a atingida Mônica Santos, as conversas com a Renova não estão sendo suficientes. “Depois de todo esse tempo passado, eu, por exemplo, ainda não vi o projeto arquitetônico da minha casa”, afirma.
A Renova diz, por nota, que nas obras para reconstrução de Bento Rodrigues “os trabalhos de terraplenagem caminham para o final”, “a estabilização dos terrenos das residências e da escola” já começou, junto com a “implantação da infraestrutura subterrânea das redes de drenagem pluvial e esgoto”.
Entenda o caso
Desastre
O rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, ocorreu em novembro de 2015 e despejou 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A lama causou a morte de 19 pessoas, inundou o distrito de Bento Rodrigues e atingiu Paracatu de Baixo e Gesteira.
Caminho
Os rejeitos seguiram pelo rio Doce e desaguaram no mar. No percurso, foram impactados 44 municípios de Minas e Espírito Santo, por 670 km.
Responsáveis
A Samarco é controlada pelas mineradoras Vale e BHP.
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