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Minas tem quase 7 estupros contra crianças e adolescentes por dia

19/08/2020 às 11h11
Por: Redação Fonte: Bhaz
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IMAGEM ILUSTRATIVA (Marcello Casal Jr./Agência Brasil + Divulgação/Polícia Civil)
IMAGEM ILUSTRATIVA (Marcello Casal Jr./Agência Brasil + Divulgação/Polícia Civil)

O caso da menina de dez anos que engravidou após sofrer repetidos estupros por parte do tio no Espírito Santo mobilizou o país nos últimos dias, mas, infelizmente, não é um episódio raro. Só em Minas Gerais foram registrados 1.468 boletins de ocorrência de estupro de vulnerável de janeiro até julho deste ano. Ou seja, quase sete crianças violentadas por dia.

Conforme um balanço da Polícia Civil, janeiro foi o mês com mais registros – com 262 notificações -, mas os dados dos outros meses revelam uma realidade lamentável: a cada semana, uma média de 69 crianças e adolescentes menores de 14 anos são estuprados no estado.

Em pouco mais de duas semanas desde o início de agosto, já ganharam repercussão na imprensa pelo menos quatro casos de estupro de vulnerável em Minas. Em um deles, um homem foi flagrado por vizinhos abusando sexualmente de uma menina de 4 anos na região Norte de Belo Horizonte. Ele teria raptado a criança, filha de um primo, e o crime só foi denunciado depois que uma vizinha desconfiou do barulho do choro da criança.

Ainda hoje (18), um outro homem foi preso depois de cometer abuso contra as quatro enteadas dele dentro de casa. Conforme as investigações, uma das vítimas narrou que foi abusada durante oito anos. Segundo ela, quando tinha apenas dez anos de idade, o padrasto já forçava relações sexuais. Foi apenas quando descobriu que a irmã de oito anos também era violentada que ela resolveu buscar o auxílio da polícia.

Sem consentimento

Além de ato libidinoso ou sexo com menor de 14 anos, também se configura como crime de estupro de vulnerável a relação sexual com alguém que não tem discernimento ou não consegue oferecer resistência — como em casos de embriaguez, enfermidade ou ainda se a mulher estiver dormindo. A pena vai de 8 a 15 anos de reclusão e, de acordo com a delegada Elenice Cristine Batista Ferreira, chefe da Divisão Especializada de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente, a lei não deixa brecha para interpretação.

“Toda e qualquer ocorrência que esteja relacionada a atos libidinosos ou conjunção carnal com vítimas de 0 a 14 anos se enquadra no delito de estupro de vulnerável, ainda que essa vítima eventualmente, com 12, 13 e até 14 anos, diga que consentiu à prática do ato sexual. Ainda assim se caracteriza o estupro de vulnerável”, explica a delegada.

Segundo a legislação, tal caracterização ocorre por se considerar que, até os 14 anos, um indivíduo ainda não desenvolveu maturidade suficientemente adequada para consentir.

Perfil das vítimas

Assim como no caso da criança do Espírito Santo, o padrão se repete em Minas Gerais: as meninas são as principais vítimas de violações sexuais no estado. No período englobado pelo balanço da Polícia Civil, foram contabilizadas 378 vítimas do sexo feminino, com idades entre 0 e 12 anos, conforme aponta a delegada.

Apesar do número preocupante, não é essa a faixa etária que lidera os registros. A violência é ainda mais comum com vítimas de 12 a 17 anos, entre as quais as meninas também são maioria: de janeiro a julho deste ano, foram mais de 400 crimes de estupro e estupro de vulnerável praticados contra garotas dessas idades.

Para as vítimas de cidades do interior, a situação se agrava ainda mais, já que, além da violência sofrida, elas precisam enfrentar a precariedade da estrutura para responsabilizar os abusadores. Em Várzea da Palma, no Norte de Minas, um homem virou alvo da polícia depois de cometer diversos estupros contra crianças nas últimas três décadas.

Foram ouvidas e anexadas ao processo 14 vítimas, mas o delegado responsável pelo caso acredita que possa haver muito mais, já que, ao longo dos anos, ele teve contato com mais de 5 mil meninas por causa de projetos de cunho religioso. Segundo as investigações, como a cidade era pequena e havia pouco a se fazer no local, ele se aproveitou dessa carência de estrutura para praticar os abusos.

Estupro e pornografia

Ainda que o estupro e o estupro de vulnerável sejam os crimes com mais registros, outros crimes sexuais também ameaçam a integridade das crianças em Minas. O balanço da Polícia Civil aponta um aumento nos registros de produção, divulgação e publicação de pornografia infantil em quase todos os meses em comparação ao ano passado.

Na somatória de todos os crimes, as meninas também são as principais vítimas – com quase 8 mil ocorrências apenas neste ano -, mas os números de registros entre meninos também são preocupantes. Entre os dois gêneros, o estado acumula mais de 12 mil crianças e adolescentes vítimas de algum crime sexual em apenas sete meses – uma média de 428 por semana.

tabela crimes sexuais pcmg Com pouca estrutura, cidades do interior ainda ficam para trás no ranking de notificações (Divulgação/PCMG)

Longe de estar solucionado, o problema continua ameaçando a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes de todas as regiões. As próximas estatísticas divulgadas pelas autoridades vão incluir casos como o de uma adolescente de 12 anos de Inhapim – município com 24 mil habitantes perto de Ipatinga e Governador Valadares -, que, no início deste mês, relatou à polícia que teria sofrido abuso sexual de um funcionário da Copasa durante uma visita técnica.

Recorde de violência

Em outras regiões do país, o padrão se repete. O 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado, registrou recorde da violência sexual. Foram 66 mil vítimas de estupro no Brasil em 2018, maior índice desde que o estudo começou a ser feito em 2007. O balanço apontou que, à época, ocorriam, em média, 180 estupros por dia no Brasil, número maior do que o verificado no ano anterior.

E o gênero feminino também é o mais vulnerável no país: a maioria das vítimas foram meninas de até 13 anos. Conforme a estatística, apurada em microdados das secretarias de Segurança Pública de todos os estados e do Distrito Federal, quatro meninas até essa idade são estupradas por hora no país.

tabela anuário segurança pública Meninas de faixa etária considerada ‘incapaz de consentir’ são as principais vítimas (Divulgação/Fórum Brasileiro de Segurança Pública)

O histórico dos registros de estupro de vulnerável no Brasil carrega ainda um outro ponto agravante: o fator racial. Mais da metade das vítimas são crianças negras (50,8%), do sexo feminino (81,8%) e com até 13 anos (53,8%). A professora Adla Betsaida, coordenadora do grupo de Gênero, Sexualidade e Sexo em Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) atribui esse recorte a um problema histórico.

“A questão do abuso sexual além de ser histórica é tradicionalmente aceita. As meninas negras são sexualizadas mais cedo do que a meninas brancas. A vida sexual delas começa mais cedo e isso é muito normalizado, então é uma dupla violência. Essa menina continua a viver como uma pequena escrava, como a cidadã de quinta classe. Ela não é considerada nem de segunda classe como a maioria das mulheres são tratadas nesse país”, pontua.

Quais são os sinais?

Adla pontua ainda que, quando uma criança está sendo vítima de violência sexual, os sinais que ela dá são muito mais claros do que as pessoas imaginam. O que acontece é que, como na maioria dos casos, os abusadores são de confiança da família, as pessoas em torno são propensas a ignorar os indícios: “É comum fechar os olhos para evitar que famílias se rompam, mas os sinais são óbvios”.

De acordo com a professora, quando uma criança está nesse tipo de situação as mudanças na postura ficam muito evidentes: “Elas apresentam mudanças de comportamento, podem inclusive apresentar o desejo sexual ou comportamento sexualizado com outros, com um professor por exemplo. É como se ela tivesse amadurecido antes da hora. Isso não é culpa da criança, mas é porque ela está sendo exposta”.

Um dos pontos que dificulta a identificação de um estupro de vulnerável é a concepção de que o estupro é sempre um crime muito violento. Adla explica que essa ideia é um problema especialmente com crianças que ainda não conseguem verbalizar. “A gente acha que o estupro é sempre uma violência, mas muitas vezes o violador é uma pessoa carinhosa, que sabe convencer a criança. Então ela confunde o estupro com carinho, com amor, e pra ela fica muito confuso o que pode e o que não pode”, pontua.

Saída: educação sexual

Além do olhar mais atento das famílias, para moldar um ambiente mais seguro para crianças e adolescentes, é preciso considerar ainda um outro fator determinante: o ambiente escolar. Isso porque, conforme explica Adla, é a escola uma das instituições mais próximas da criança. “Em geral, a escola é o lugar onde as crianças conseguem contar. Os professores têm contato todo dia, então eles conseguem identificar hematomas, feridas. Então ele tem que ser preparado para identificar e encaminhar a situação para ser averiguada”.

Também é imprescindível que o tema seja discutido no ambiente escolar. Isso não significa introduzir assuntos inadequados à idade de cada aluno, mas sim ensinar as ferramentas necessárias para que ele tenha uma dimensão mais definida de quais são os limites do próprio corpo. “A criança tem que aprender desde cedo a identificar e a falar não só violência sexual como outras violências. E a escola precisa poder conversar isso com a criança, obviamente, de acordo com o seu amadurecimento”, argumenta a professora.

“Você vai explicar desde pequenininho quem é que pode tocar no corpo dessa criança, para que ela possa identificar o que é estranho, o que pode e o que não pode”, completa. Ela cita ainda exemplos bem sucedidos de outros pontos do mundo, onde a educação sexual existe sem traumas para as crianças: “Na Inglaterra por exemplo, onde eu fiz mestrado, a gente usava as luzes do semáforo para identificar qual região do corpo da criança era ok tocar e qual região não era. Isso ensinado nas escolas, não interessa se vai acontecer nas ruas ou dentro de casa”.

 

Por fim, ela defende ainda a importância de uma movimentação da sociedade como um todo para compreender a gravidade desses casos e buscar formas de acolhê-los. “Isso envolve decisões muito difíceis. Não é simplesmente denunciar. Qual é a instituição social que vai dar apoio para essa criança ou esse adolescente? Essa situação do estupro busca vários campos históricos da nossa sociedade e é preciso que instituições se envolvam com isso, inclusive a instituição escolar”.

 

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