A dona de casa Rosa Lúcia Barroso Ferreira, 51, não pode nem ver escada rolante que já começa a sentir tremores, suor e muito medo. Ela nem vai a shopping por ter receio de que em algum momento possa precisar usar esse equipamento de transporte. “Não lembro quando isso surgiu, mas eu subo dez, 20 andares na escada normal, mas não vou na rolante de jeito nenhum. As pessoas acham que é frescura, mas eu não sei explicar, eu ando mais, dou volta, mas é algo que foge do meu controle. Tenho pavor de o meu pé grudar e eu cair”, relata Rosa, que se lembra de uma vez que precisou da ajuda do marido para subir em uma escada rolante. “Eu chorava, tremia, não sabia se voltava ou saía correndo, meu marido segurou a minha mão, porque a escada era a única opção ali. Minha filha era pequena e ria, hoje ela entende que é pavor”, comenta.
A dona de casa precisou procurar ajuda e descobriu que tem climacofobia, que é o medo de degraus ou subir e descer escadas. Às vezes, fica difícil entender o motivo do mal-estar, que provoca medo, palpitações, suores e tensão muscular. Mas isso pode ser mais comum do que você imagina. A estimativa da associação internacional voltada à pesquisa e tratamento de estresse, a International Stress Management Association (Isma-BR), é de que 23% das pessoas deixam de realizar atividades do dia a dia devido a um nível excessivo de medo. O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos ainda calcula que pelo menos 33,7% das pessoas tenham fobia ou algum quadro de ansiedade em algum momento da vida.
Segundo os especialistas, o medo é um sentimento inerente ao ser humano e necessário a todos os animais para evitar situações de perigo. Mas, quando o sentimento se transforma em angústia exagerada, irracional e persistente, é preciso atenção. “A fobia está dentro do circuito do pânico, que é quando a ansiedade chega ao ápice. Mas o medo está entre as emoções universais. É um componente que é presente no ser humano, o que é positivo, pois é essencial para que a gente se preserve de situações de perigo, é um aliado da sobrevivência. No entanto, quando passa a ser excessivo, principalmente quando é relacionado a certos estímulos, temos fobia. Então, já não estamos falando daquela emoção implícita, mas de algo que se torna uma patologia, que paralisa e incapacita situações do dia a dia”, avalia o psiquiatra e mestre em saúde coletiva Rodrigo D’Angelis.
Ainda de acordo com pesquisadores, em média, 75% dos transtornos mentais, entre eles as fobias, começam na infância. Para a psiquiatra, Kelly Robis, professora da UFMG e da PUC Minas, os traumas da infância podem ter sérias consequências para a vida adulta. Ela explica ainda que a fobia está diretamente ligada à ansiedade. A má notícia é que o Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a entidade, 18,6 milhões de brasileiros convivem com o transtorno.
“Qualquer transtorno psiquiátrico é multifatorial, não é determinado por um único evento, temos que considerar o fator de hereditariedade também. O que acontece é que algumas experiências na infância estão associadas a uma chance maior de transtorno de ansiedade ao longo da vida. Nós temos áreas cerebrais responsáveis pelo medo, só que essas áreas são muito sensíveis na infância. Ou seja, um pessoa que é submetida na infância a um estresse muito importante vai ter provavelmente a disfunção dessas áreas relacionadas ao medo. Ela pode até ter o aumento dessas áreas cerebrais, e esse aumento faz com que pessoas submetidas a um estresse precoce venham a desenvolver na vida adulta um quadro de transtorno de ansiedade ou alguma síndrome ansiosa, que inclui as fobias”, explica.
O medo de se contaminar pelo coronavírus tem feito muitas pessoas terem fobia só de ver imagens de aglomeração nas ruas. E isso tem gerado impactos. Segundo os especialistas, durante a quarentena, cresceu consideravelmente o diagnóstico de síndromes relacionadas com obsessão, fobias sociais ou agorafobia, que é o medo incontrolável de lugares e situações. Alguns médicos, inclusive, apontam o surgimento de uma nova doença chamada “síndrome do fogo”, que representa o medo de sair de casa. O transtorno vem acompanhado de estresse, ansiedade e angústia a ponto de a pessoa não conseguir não ter mais contato com outras pessoas.
De acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 75% dos médicos perceberam aumento na demanda dos atendimentos após o início da pandemia. Mas, para o médico Marcelo Rodrigues, especialista em saúde mental, tal reação tem explicação. Uma pesquisa conduzida pela Fundação Getulio Vargas (FVG) apontou que mais da metade dos brasileiros não frequentariam, em hipótese alguma, estabelecimentos como bares, restaurantes, cinemas, teatros e shopping centers nem fariam viagem de férias neste atual momento. O estudo, divulgado no último mês, entrevistou moradores de Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e Brasília.
“Isso pode acontecer especialmente em indivíduos já ansiosos, com certo grau de pensamento obsessivo, que têm maior risco de desenvolver uma hipocondria durante pandemias, como apontam estudos realizados em outras epidemias, como a de Sars em 2005 e a de gripe suína, em 2003”, explica Rodrigues. Ele acrescenta que tais estudos apontam que estes indivíduos são mais propícios a superestimar a gravidade da doença e das possíveis repercussões. “E acabam tendendo a se isolar ainda mais que as pessoas em geral, bem como desenvolver ou agravar um transtorno obsessivo-compulsivo, com o surgimento ou a intensificação de rituais de limpeza, como na higienização frequente das mãos e do ambiente e pensamentos recorrentes, intrusivos, de que pode ser mais vulnerável que a população em geral em relação ao vírus ou mesmo que pode estar contaminado e vir a transmitir a doença, causando a morte de outros”, esclarece o especialista.
Entenda
- Transtorno de ansiedade: causa uma ansiedade excessiva com diferentes eventos ou atividades, que pode afetar a vida social, acadêmica, profissional e amorosa. Os sintomas são inquietação, cansaço, falta de concentração, tensão muscular, irritabilidade e alterações do sono. Os especialistas ressaltam, no entanto, que, para que a ansiedade seja considerada um transtorno, os sintomas devem persistir pelo menos por seis meses e ocasionar prejuízos na vida do paciente.
- Fobia: já os sintomas causados pela fobia são desproporcionais em relação ao perigo real imposto pelo medo sentido pela pessoa. De acordo com os médicos, a fobia pode causar ataques de pânico.
- Pânico: os ataques de pânico acontecem quando o paciente sente medo de morrer, palpitações, dificuldade de respirar e calafrios, além de sensação de tontura. O ataque ocorre geralmente após um curto abrupto de medo seguido de desconforto intenso.
Como lidar com o medo
- Respire fundo e conte até dez bem devagar. A dica é praticar a respiração diafragmática, que é quando o músculo do abdômen se expande junto com o do tórax
- Durante uma crise, tente pensar em outras coisas e mudar o foco do seu medo
- Segundo os especialistas, outra dica importante é ir encarando o medo aos poucos
- Dormir bem e hidratar-se é fundamental. Quando sentimos medo, o organismo libera os hormônios como o cortisol e a adrenalina, que só são expelidos quando urinamos.
Minientrevista
Marcelo Rodrigues
Médico e especialista em saúde mental
As fobias e o medo estão relacionados a transtornos de ansiedade? Sim, há uma íntima relação entre os transtornos de ansiedade e as fobias, que acabam sendo uma ansiedade ou um medo irracional persistente, direcionado a alguma ameaça percebida pela pessoa, mas que pode nem ser de fato algo perigoso – fobia de voar em avião, por exemplo. Inicialmente, é importante salientar que o medo é uma resposta emocional ante uma ameaça iminente, que pode ser real ou percebida. Um exemplo é um assaltante empunhando uma arma – trata-se de um medo, que contribui para a nossa autopreservação, tendo sido um fator importantíssimo no “jogo da evolução” das espécies. Porém, quando este medo surge ante ameaças futuras, que podem nem se concretizar, recebe o nome de ansiedade.
Quais são os sintomas físicos da fobia? É muito comum nas crianças observarmos a aceleração dos batimentos cardíacos (taquicardia), tremores, dificuldade em respirar, tontura, ataques de choro ou raiva, mutismo e até imobilidade ante a ameaça percebida. Nos adultos, observamos muitos destes sintomas, muitas vezes incontroláveis, ao se depararem com a ameaça percebida ou mesmo na mera suposição de que há chance de entrar em contato com o objeto (ou situação) causador da ansiedade ou do medo irracional.
As fobias e os medos têm ligação com a infância? É comum que as pessoas desenvolvam a partir de alguma idade? Tem algum gatilho que a faz desenvolver? Não é possível determinar com exatidão, visto que quase todas as crianças vão ter algum medo irracional em algum ponto do desenvolvimento, bem como porque há um componente hereditário na incidência de transtornos ansiosos ou do humor, que pode ter grande influência no surgimento de fobias. Porém, alguns estudos demonstram que as crianças mimetizam o comportamento dos pais, tendendo a reproduzir reações como de nojo ou medo relacionado a animais ou ao ver sangue, ferimentos, injeção, e isso pode preceder o desenvolvimento da fobia. Essas fobias frequentemente se iniciam na infância, como, por exemplo, medo de falar em público ou de elevadores e ambientes fechados (claustrofobia). As fobias do ambiente (tempestade, altura, água) tendem a surgir mais durante a adolescência ou início da idade adulta. O que se sabe é que uma situação traumática como, por exemplo, ser atacado por um cachorro, pode ser o gatilho para o desenvolvimento de fobia relacionada a este animal, que comumente é dócil e raramente representa uma ameaça real.
Quais são as fobias mais comuns? As direcionadas a animais (cobra, aranha, barata etc.), voos de avião, espaços fechados e sangue, injeção e ferimentos. Em geral, a maior parte dos pacientes possui mais de um medo específico.
Existe algum teste ou exame para se descobrir fobias ou medos? Qual é o melhor tratamento? Não existe nenhum teste objetivo para tal, mas um médico, especialmente psiquiatra, ou um psicólogo podem facilmente diagnosticar o quadro, que, nos adolescentes e adultos, é bem simples de se determinar, sendo que aquela sintomatologia ante alguma ameaça específica é trazida pelo próprio paciente ou familiar. Nas crianças, o desafio é um pouco maior, especialmente nas de menor idade, que ainda não se comunicam com desenvoltura. O melhor tratamento é a psicoterapia, na abordagem cognitivo-comportamental, direcionada para o fator estressor conhecido. É comumente utilizada a terapia de exposição, na qual o paciente é encorajado a enfrentar a ameaça, de forma controlada e gradual, utilizando todas as ferramentas treinadas pelo terapeuta, geralmente com bons resultados. Em alguns casos específicos, pode vir a ser necessário o uso de medicação pontualmente, como, por exemplo, em fobias relacionadas a viagens de avião, bem como na claustrofobia ao se realizar um exame de imagem. Em casos mais graves, com prejuízo funcional relevante, como nas fobias sociais, o tratamento medicamentoso contínuo pode ser fundamental, até mesmo para auxiliar no resultado da psicoterapia.
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