Em busca de mais um Kikito para a sua estante, após ter três filmes exibidos nas últimas cinco edições do Festival de Gramado, o diretor cordisburguense Marco Antônio Pereira desembarcou na Serra Gaúcha com a sensação de quem está se encaminhando para um novo capítulo em sua trajetória.
“É um ciclo que está se fechando. Sou feliz por ter feito esses filmes, apresentando quatro deles num dos melhores lugares do Brasil e assistindo com meus amigos. Tem até o título de um filme que exemplifica o que estou falando: ‘Isso Não é um Enterro, É uma Ressurreição’. Quando uma coisa está acabando, uma outra está se iniciando”, observa Pereira, que já tem data para essa mudança de rota acontecer: março de 2024.
É quando deverá começar a filmar o seu primeiro longa, um sonho acalentado há muito tempo. Como curta-metragista, o mineiro que pôs Cordisburgo no mapa do cinema (na literatura, já tem ninguém menos do que Guimarães Rosa) percorreu festivais importantes mundo afora, chamando a atenção com uma receita muito própria, que mistura breguice, filosofia e uma história aparentemente banal.
Pé-quente desde a sua estreia, com “Alma Bandida”, em 2018, Pereira virou um exemplo de “faça você mesmo”, construindo uma filmografia exuberante que não teve um centavo sequer de órgãos públicos. “A Última Vez que Ouvi Deus Chorar”, que será exibido neste domingo em Gramado, contou com um dinheirinho mais vistoso, a partir de doações privadas e patrocínios.
“Teve um empresário do Rio que me deu R$ 5.000, outro me ofereceu R$ 1.000... Um cara do Canadá me ajudou pagando as inscrições nos festivais. Dessa vez, eu tive um pouco de suporte, mas continuo gastando dinheiro meu”, salienta. Para ele, o novo curta evidencia uma evolução de seu trabalho. “Não sei se é bom ou ruim, mas, se pegar desde o primeiro, há um refinamento maior, na linguagem e nas questões técnicas”.
Apesar de ter virado um habitué do festival, Pereira nunca ganhou o troféu principal. “A Retirada para um Coração Bruto” (2018) faturou os Kikitos de ator, roteiro e trilha sonora. “Teoria sobre um Planeta Estranho” (2019) levou para casa os de trilha e o filme pelo júri popular. Já “Quatro Bilhões de Infinitos” (2020) ficou de mãos abanando, apesar de o cineasta ter a convicção de que deveria ter “ganhado um ou dois”.
Com “A Última Vez que Ouvi Deus Chorar”, ele prefere não criar tantas expectativas. O filme vai na contramão dos quatro primeiros. “Fiz outro caminho, uma obra muito pessoal. Por mais que seja um assunto difícil, prezo para que seja uma coisa agradável. Gosto da ideia de que o filme seja uma experiência para quem está assistindo. Nesse, a vibe não é tão boa, terminando com um sentimento de vazio”, define o cineasta.
Estreia em longas
A história nasceu num momento de questionamento do diretor. A protagonista (Cibele Zêodi) é uma garota interiorana que trabalha numa fazenda de plantação de quiabos. Certo dia o pai a pede para ela buscar uma casca de angico, árvore que tem propriedades medicinais. O xarope é ideal para quem está gripado. No instante em que está na chapada, algo de muito estranho acontece com a jovem.
“Ele é bem pesado, mas só que não é todo mundo que consegue chegar numa parte mais existencialista. Quero refletir sobre o porquê de ter maldade no mundo. Por que uma coisa tem que morrer para outra viver? Quem decide isso? E o quanto isso afeta o nosso coração?”, pondera. Esse momento de morte e ressurreição se reflete no próprio trabalho de Pereira, que está pondo um fim simbólico em Gramado.
Por ora, o que pode ser divulgado é que o projeto se chamará “Paisagem de Inverno” e será filmado numa região do Vale do Jequitinhonha. “Eu disse que faria cinco curtas e, seis anos depois, eu consegui. O longa será meio parecido, porque o jeito que faço filmes é um pouco divertido, misturando histórias clássicas com experimentalismo. Como um cinema bem temperado. Terá muita poesia, mas com uma história muito emocionante”, adianta.
Produções de Minas Gerais
Dois curtas foram produzidos em cidades do interior de Minas Gerais – "Camaco" em Itabira e "A Última Vez que Vi Deus Chorar" em Cordisburgo.
"É interessante olhar desse ponto de vista porque são histórias muitas vezes difíceis de chegar na tela. Por isso ganhar os espaços e divulgar esses filmes é muito bom. Estamos em um momento positivo de produção em Minas Gerais, de forma coletiva. Todo mundo se ajuda e cresce junto. É muito afetivo nesse sentido", apontou Alvarenga.
"Em Minas, às vezes as coisas ficam centradas em Belo Horizonte. Cordisburgo, por exemplo, não tem edital. São milhões investidos na capital – mas os filmes que estão aqui são de gente do interior. Tem essa dificuldade, mas o cinema de Minas é rico demais. Até porque Minas é um país inteiro dentro do Brasil", brincou Pereira.
Por O Tempo e Tela Viva
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