A crise inédita que afeta os Correios elevou a tensão entre os quase 80 mil empregados da estatal. Sem avanço nas negociações de reajuste salarial, com o tradicional “vale-peru” suspenso e temendo não receber o 13º salário, funcionários articulam uma greve nacional já na próxima semana. O cenário ocorre em meio a um rombo de R$ 6,1 bilhões acumulado até setembro e às dificuldades do governo para garantir um aporte emergencial ou viabilizar um empréstimo de R$ 20 bilhões que impeça o colapso financeiro da empresa.
Os trabalhadores reivindicam recomposição inflacionária e a manutenção do bônus de fim de ano — o “vale-peru”, no valor de R$ 2.500 por empregado, que custou R$ 200 milhões em 2024 e não deve ser pago em 2025. A categoria afirma que não deve arcar com os efeitos da crise.
Em reunião mediada pelo TST nesta quinta-feira (11), a direção dos Correios propôs apenas prorrogar o Acordo Coletivo de Trabalho até fevereiro de 2026, sem reajuste salarial nem aumento no vale-refeição. A decisão sobre uma possível paralisação será tomada em assembleia na terça-feira (16).
“O trabalhador não pode ser penalizado por administrações desastrosas que levaram os Correios a esse buraco”, afirmou Marcos Sant’aguida, presidente do Sintec-RJ.
13º salário sob ameaça sem socorro imediato
O receio de que o 13º não seja pago intensificou a preocupação interna. Segundo Roberval Borges Corrêa, presidente da ADCAP, sem um aporte urgente de R$ 6 bilhões do Tesouro não há garantia de pagamento do 13º nem de outros compromissos essenciais. O limite para resolver a questão é 20 de dezembro.
“É uma situação inédita. O governo precisa assumir sua responsabilidade, pois é o único acionista e responsável pelo serviço postal universal”, afirmou Corrêa.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que trabalha paralelamente no aporte e na negociação de um empréstimo com bancos, mas descartou o uso de crédito extraordinário. Técnicos da pasta admitem, porém, que o tempo pode ser insuficiente para aprovar o aporte dentro das regras fiscais — tornando o empréstimo bilionário a única alternativa imediata.
Impasse com bancos trava empréstimo
Mesmo com garantia do Tesouro, cinco grandes bancos — Banco do Brasil, BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Safra — apresentaram propostas com juros considerados abusivos, próximos de 136% do CDI (cerca de 20% ao ano). O Tesouro rejeitou as condições. A Fazenda acionou a Caixa Econômica, mas a instituição avalia que o risco operacional dos Correios ainda é alto e não avançou na negociação.
Para tentar destravar a operação, o governo publicou um decreto exigindo que estatais em situação crítica apresentem um plano completo de reestruturação como pré-requisito para receber garantias da União. A intenção é reforçar a credibilidade da empresa perante o mercado.
A primeira fase do plano dos Correios — fechamento de agências e um Programa de Demissão Voluntária — foi considerada insuficiente por especialistas, que duvidam da capacidade da estatal de se modernizar e competir com grandes empresas do e-commerce.
Estatal pode encolher drasticamente
O custo da universalização do serviço postal — quase R$ 5 bilhões ao ano — já não cabe no orçamento da estatal. De acordo com a ADCAP, 80% das agências operam no vermelho e só se mantêm por exigência legal de cobertura nacional. Sem apoio financeiro, cortes profundos na rede podem se tornar inevitáveis.
“A gestão anterior foi perdulária e agravou problemas estruturais. A atual tenta reorganizar a empresa dentro de um modelo profissional”, disse Corrêa.
Em nota, os Correios afirmaram que o plano de reestruturação será detalhado em breve e que a operação de crédito permanece em negociação.
Um ponto crítico na história da estatal
Com risco de greve, ameaça de atrasos salariais e um déficit recorde, os Correios enfrentam simultaneamente:
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insatisfação crescente entre os funcionários;
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fragilidade financeira profunda;
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resistência dos bancos em liberar crédito;
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pressão do governo por responsabilidade fiscal;
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necessidade urgente de reestruturação operacional.
A deliberação dos trabalhadores na próxima semana pode desencadear a maior crise trabalhista da história da empresa — justamente no momento em que os Correios mais precisam demonstrar capacidade de recuperação para preservar sua credibilidade no mercado.



