MP investiga morte e agressões em centro de internação de adolescentes

A morte prematura do adolescente José Pedro Santos Ribeiro, de 16 anos, que se pendurou em uma corda com lençóis no Centro de Internação Provisória Dom Bosco, no bairro Horto, na região Norte da capital, no dia 31 de julho, trouxe à luz uma série de possíveis atrocidades que estariam sendo cometidas no local, conhecido por abrigar menores infratores. Denúncias recebidas por esta reportagem dão conta de que rapaz foi privado de tratamento psicológico e teve demora para ser socorrido. Caso é investigado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que também apura outras cinco acusações de agressões e abusos de autoridade no centro.

O primeiro procedimento aberto no MPMG data de 25 de junho deste ano. Nele, o órgão investiga denúncias de agressão verbal e física por agentes socioeducativos contra dois adolescentes nas dependências da unidade. Outros dois casos de agressões por parte dos servidores também são apurados, além de irregularidades e descumprimento das medidas de segurança e a utilização ilegal do carro do Estado para fins pessoais por parte da diretora do centro, Ana Celles de Souza Kempem.

Sob anonimato, uma funcionária do centro contou à reportagem que o adolescente morto após tentar se matar na unidade teve tratamento negligenciado. "Tinha uma determinação judicial para fazer um tratamento terapêutico diário. Ela (diretora) não encaminhou. Ele estava indo só quando fosse urgência. Ele deveria passar o dia todo com atividades no tratamento e ir para o centro só para dormir. Era um adolescente que não dava conta de ficar preso", contou a servidora.

Ribeiro morreu no dia 27 de julho, três dias após ser encontrado pendurado na corda de lençóis improvisados. Ele ficou internado no Hospital de Pronto Socorro João XXIII. Para a família, houve negligência no socorro do jovem. "O médico disse que se ele tivesse chegado antes, ele teria sido salvo. Pelo o que parece, eles demoraram a achar e a chamar o socorro. Alguma coisa assim aconteceu, porque demorou a chegar lá. Se eles tivessem corrido com ele para o hospital, seria mais fácil de conseguir ajudar ele. Como não foi rápido, complicou mais e deixou o caso mais grave", contou a irmã do adolescente, a dona de casa Luana Lorena, 27.

"Eles falavam para a gente que tava tendo (o acompanhamento), mas não temos certeza", completou Luana. Ainda para a irmã do adolescente, negligência é injustificável. "Por mais que a gente soubesse que a vida que ele tava levando era perigosa, ele era um menino muito carinhoso, amoroso e prestativo. Está sendo muito difícil mesmo. Por mais que a gente saiba que ele estava preso por ter feito coisas erradas, a gente que é da família, que viu ele crescer, sabe que era um menino muito bom. A gente tinha muita esperança de ele sair dessa vida que ele entrou", afirmou. Segundo a família de Ribeiro, o rapaz era usuário de drogas e fugiu de Congonhas, onde morava, para Belo Horizonte, ao ser ameaçado. Na capital, ele teria cometido uma série de delitos.

A servidora ouvida pela reportagem relatou ainda que a diretora Ana Celles de Souza Kempem vem cometendo abusos de autoridade desde que assumiu a gestão do centro, há cerca de quatro meses. "Estamos passando por uma desconstrução de tudo, inclusive daquilo que deu certo. Ela usa o carro oficial para levar e buscar em casa. Teve o episódio de uma droga que chegou na unidade, a segurança fez a revista e a droga foi encontrada. A PM deveria ser acionada, mas ela chamou a visita na sala dela e decidiu, por ela, que a menina ia fazer a visita. Ninguém sabe para onde foi a droga e que fim teve esse caso. Ela chama os meninos de ratos e dá o aval para o tratamento abusivo. É visivelmente misógina. As mulheres tiveram que mudar a vestimenta. Não pode camiseta, cachecol, sapato aberto, tudo o que reporta ao feminino. Os homens têm uma posição muito mais confortável. Alguns podem fazer uso de banco de horas, outros não. Fazer saída antecipada. Até na questão da capacitação tem um veto maior para quem é mulher”, contou a servidora.

No dia 25 de julho, esta reportagem esteve por cerca de duas horas na porta do Centro de Internação Provisória Dom Bosco e pediu para falar com a diretora. No telefone, com o porteiro, ela disse que não receberia a equipe e que qualquer posicionamento seria dado pela secretaria. Na ocasião, um grupo de agentes do Ministério Público estavam no centro e relataram que a visita fazia parte das investigações sobre a morte do adolescente e outras denúncias contra a gestão. Em nota, o órgão informou apenas que as apurações estão em andamento e que não há mais detalhes a serem repassados. 

Procurada, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que o adolescente fazia acompanhamento regular no Centro Psíquico da Infância e Adolescência (CEPAI).  “No momento do enforcamento, a equipe de saúde da unidade realizou os primeiros socorros e acionou, imediatamente, o serviço de urgência do SAMU. O adolescente foi socorrido e hospitalizado no João XXIII, vindo a óbito dias depois, devido a complicações do quadro. Foi instaurado o procedimento de apuração de todas as circunstâncias do fato pela unidade socioeducativa e pela Polícia Civil”, disse.

“Toda e qualquer denúncia formalizada e recebida por esta pasta sobre a conduta de seus servidores é rigidamente apurada seguindo todos os trâmites legais. As apurações são realizadas, dando, inclusive, amplo direito ao contraditório e à defesa dos servidores. Em qualquer constatação de irregularidade, todas as medidas administrativas cabíveis são adotadas”, completou a pasta.