Entre 2020 e junho de 2022, ao menos 4.279 violências foram sofridas por crianças e adolescentes em Minas Gerais. Esse dado diz respeito a apenas 178 municípios do Estado (onde os conselhos tutelares usam um sistema que computa esses dados). No mesmo período, pelo menos sete crianças foram vítimas de tentativas de homicídio - três dos crimes foram cometidos pela mãe e um pelo pai.
A situação fica mais alarmante quando os dados de asassinato de crianças, em Minas, são analisados. Entre 2017 a abril de 2022, metade dessas vítimas tinham até 5 anos (total é 69). A recém-nascida Isabel de Aguilar, morta pelo pai após ser jogada da laje a uma altura de aproximadamente 9 metros, está entre as vítimas.
“Enquanto profissional da área e com 25 anos de profissão, vejo esta dura realidade no Brasil aumentando. Acredito que a fragilidade da nossa legislação contribui para tais dados. Não vemos penalidade. É raro vermos o agressor ser, de fato, punido”, afirma Nívia Soares, Diretora de Políticas para Crianças e Adolescentes em Belo Horizonte.
O Conselho Tutelar é o órgão responsável por atender as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Em Minas Gerais, há 893 conselhos, sendo que 196 deles utilizam o Sistema de Informações para a Infância e Adolescência (Sipia).
“O Sipia é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e reúne dados agregados em nível municipal, estadual e nacional”, explica a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese-MG).
De 2020 até o início de junho deste ano, foram registradas na plataforma do Sipia 4.279 violações sofridas por crianças e adolescentes. “O quantitativo de criança e adolescente vítimas de tentativa de homicídio no período da gestão de conselheiro compreendido entre 2020 até a presente data soma sete vítimas, e para este ano, em específico, uma vítima registrada, conforme dados do Sipia”, ressalta a Sedese-MG.
A violência, muitas das vezes, acontece no lar das crianças e adolescentes, local que deveria ser de proteção para elas. Segundo Nívia, a pandemia de Covid-19 provocou o aumento deste tipo de violação, por conta do isolamento imposto. “Ficar em casa foi um fator agravante, pois as escolas tiveram que ficar fechadas e as vítimas fora das escolas”, pondera.
Sancionada em 24 de maio deste ano, a Lei Henry Borel; em referência ao menino de 4 anos morto em março de 2021 por hemorragia interna após espancamentos no apartamento em que morava com a mãe, Monique Medeiros, e o padrasto, o ex-vereador, Jairo Souza Santos, o Jairinho; torna crime hediondo o homicídio contra crianças menores de 14 anos.
A nova legislação é vista como uma possibilidade de diminuição da criminalidade contra os pequenos.
“Felizmente essa lei foi sancionada. Ela tem que ser vista como um avanço no endurecimento da penalidade contra este tipo de crime. A lei atual permite o agressor ficar impune ou quando é condenado recebe uma pena leve: pagar cesta básica, prestar serviço comunitário. É desumano diante do crime praticado. Quanto menor a idade da criança, mais cruel é o crime e mais dura deveria ser a pena”, alerta a diretora de políticas para crianças e adolescentes na capital mineira.
A Lei Henry Borel entrará em vigor a partir de julho e traz consigo uma importante ferramenta no combate a violência contra crianças e adolescentes. “A legislação também prevê punição para qualquer pessoa que saiba de violência mas não denuncia. Há muita subnotificação porque nem tudo chega ao conhecimento das autoridades. Deus queira que a lei seja colocada em prática e o cenário mude”, pede Nívia.
Isabel de Aguilar tinha 57 dias de vida quando foi arremessada da laje pelo próprio pai, em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Apesar de ter recebido atendimento médico, a recém-nascida não resistiu aos ferimentos.
Investigações da Polícia Civil apontam que o crime foi premeditado. O acusado foi indiciado por homicídio duplamente qualificado - meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima - com o agravante do feminicídio, além de injúria e ameaça contra a mãe da bebê.
A recepcionista Luciana de Aguilar Souza, tia da vítima, conversou com a reportagem sobre como a família vem observando o andamento da investigação do crime. “Queremos Justiça e que ele pague em vida pela barbárie que fez. A dor que causou em nós não há nada que pague. Queria deitar e pensar que tudo foi um pesadelo e ao acordar tudo ser diferente”.
A tia de Isabel defende punição rigorosa para quem pratica qualquer tipo de crime contra crianças e adolescentes. “A lei no Brasil tinha que pegar mais pesado. Só assim pra pessoa pensar duas vezes antes de praticar. Se temos muitos crimes contra nossas crianças e adolescente é porque o país é uma terra sem lei, onde tudo pode. Acontece hoje e amanhã já cai no esquecimento”, diz destacando a importância da Lei Henry Borel.
Casos de suspeita de violação ou maus tratos a crianças ou adolescentes devem ser comunicados imediatamente ao Conselho Tutelar, Delegacia de Polícia e Disque 100. "A prevenção e a denúncia precisam ser cotiidianas", finaliza Nívia.
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