
Por Rafaela Mansur, g1 Minas — Belo Horizonte
· Uma década se passou desde que a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.
· Às 16h20 de 5 de novembro de 2015, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração jorraram da estrutura e destruíram tudo por onde passaram.
· 19 pessoas morreram, comunidades sumiram e o Rio Doce nunca mais foi o mesmo. Nesses dez anos, ninguém foi responsabilizado criminalmente.
· Há um ano, a Justiça Federal absolveu a mineradora e todos os demais denunciados. No mês seguinte, o MPF recorreu da decisão.
· Quase um ano depois, no entanto, esse recurso ainda não foi analisado pela Justiça.
Uma década se passou desde que a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Às 16h20 de 5 de novembro de 2015, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração jorraram da estrutura e destruíram tudo por onde passaram.
Dezenove pessoas morreram, comunidades foram riscadas do mapa, e o Rio Doce nunca mais foi o mesmo. Mas, nesses dez anos, ninguém foi responsabilizado criminalmente pela tragédia. Infográfico ao final da reportagem reconta a tragédia e mostra os principais números.
Justiça absolveu denunciados, mas MPF quer condenação
Há um ano, a Justiça Federal absolveu a mineradora e todos os demais denunciados. Em decisão de 14 de novembro de 2024, a juíza federal substituta Patricia Alencar Teixeira de Carvalho considerou que os documentos, laudos e testemunhas ouvidas no processo "não responderam quais as condutas individuais contribuíram" para o desastre, e que a dúvida "só pode ser resolvida em favor dos réus".
No mês seguinte, o Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão. O procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar defendeu que as omissões de todos os réus aumentaram o risco da operação da barragem, e que grandes crimes ambientais não ocorrem pela conduta de uma única pessoa, mas, sim, pela atuação de uma complexa estrutura organizacional.
Quase um ano depois, no entanto, esse recurso ainda não foi analisado pela Justiça. O processo chegou a voltar para o MPF, que em junho deste ano emitiu um parecer recomendando o acolhimento integral dos pedidos.
No documento, o procurador regional da República Darlan Airton Dias destacou que os gestores da Samarco "tinham plena ciência técnica dos riscos de liquefação e colapso estrutural" da barragem, e que "suas omissões configuram incremento inadmissível de risco".
Além da condenação da mineradora e suas acionistas, Vale e BHP, e da consultoria VogBR, que atestou a estabilidade da estrutura, o Ministério Público Federal pede a responsabilização de:
· Ricardo Vescovi (diretor-presidente da Samarco à época do desastre)
· Kleber Terra (diretor de operações e infraestrutura da Samarco)
· Germano Lopes (gerente operacional da Samarco)
· Wagner Alves (gerente operacional da Samarco)
· Daviély Silva (gerente operacional da Samarco)
Pertences de moradores que ficaram para trás espalhados um ano após tragédia — Foto: Raquel Freitas/G1
Na época da absolvição e da apresentação do recurso do MPF, a Samarco e a Vale afirmaram que a decisão da Justiça Federal reforça que as empresas sempre agiram de acordo com a legalidade. A BHP não comentou.
Movimento questiona absolvição
Para Letícia Oliveira, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), enquanto houver impunidade, a chance de tragédias como a de Mariana se repetirem aumenta.
"É um grande absurdo, porque está claro em vários documentos que havia informações sobre o risco da barragem. A empresa não fez nada para dar segurança para a barragem, não avisou à comunidade e também não fez a reparação em 10 anos. Essa total impunidade deixou aberto o caminho para que um crime desse se repetisse em Brumadinho", afirmou.
Acordo de R$ 170 milhões com poder público
Em outubro de 2024, as mineradoras e o poder público assinaram um novo acordo para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Samarco, no valor de R$ 170 bilhões. O montante inclui R$ 38 bilhões gastos antes da repactuação.
Um novo acordo foi costurado porque as ações de reparação desenvolvidas pela Fundação Renova, criada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado no ano seguinte à tragédia, foram consideradas insuficientes.
Com a repactuação, parte das obrigações que cabiam à Renova foi transferida para o poder público. O governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo devem usar o dinheiro das mineradoras para investir, por exemplo, em mobilidade, saneamento básico e projetos de interesse das comunidades atingidas.
Além disso, a União passou a cuidar de um programa de transferência de renda para agricultores familiares e pescadores profissionais afetados pelo rompimento da barragem.
Para Mônica dos Santos, atingida que morava em Bento Rodrigues, comunidade destruída pela lama, o novo acordo ainda não se mostrou benéfico.
"A gente só consegue perceber a lentidão nesse processo de reparação", afirmou.
Indenizações individuais, reassentamentos e recuperação ambiental
Parte do recurso – R$ 32 bilhões – ficou sob execução direta da Samarco, responsável pelo pagamento de indenizações individuais, reassentamentos e recuperação ambiental.
Segundo a empresa, desde a homologação do novo acordo, as indenizações individuais e os auxílios financeiros quitados somam R$ 14 bilhões. Outros R$ 18,1 bilhões tinham sido despendidos pela Fundação Renova até setembro de 2024.
Processo na Justiça inglesa
Em 2018, milhares de atingidos pelo rompimento da barragem entraram com uma ação civil pública contra a BHP na Justiça inglesa. Na época da tragédia, a mineradora estava listada na Bolsa de Valores de Londres. Por esse motivo, o processo não incluiu diretamente a Vale, acionista brasileira da Samarco.
Pessoas, comunidades, municípios, igrejas e empresas reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações.
A primeira fase do julgamento tratou da responsabilidade da empresa pelo desastre e foi concluída em março deste ano, mas a sentença final da juíza Finola O'Farrell ainda não foi publicada.
Enquanto a sentença não sai, estão ocorrendo audiências de preparação da segunda fase, que vai decidir como a tragédia afetou cada atingido e o montante a ser pago, caso a BHP seja condenada. Se isso acontecer, a Vale, acionista brasileira da Samarco, vai arcar com metade do valor.
Relembre a tragédia

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