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Pandemia impõe desafios e pode agravar taxas de suicídio

Mês de prevenção ao autoextermínio mobiliza profissionais da área de saúde para buscar soluções

14/09/2020 às 10h38
Por: Redação Fonte: O Tempo
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Coletivo Viva JK, em parceria com a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), projetou mensagens e informações sobre o Setembro Amarelo na empena de uma das torres do Conjunto Governador Kubitschek, no centro de BH Foto: Viva JK/Divulgação
Coletivo Viva JK, em parceria com a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), projetou mensagens e informações sobre o Setembro Amarelo na empena de uma das torres do Conjunto Governador Kubitschek, no centro de BH Foto: Viva JK/Divulgação

Era junho de 2019 quando Elena*, hoje com 33 anos, anunciou oficialmente uma virada de página em sua história: pela primeira vez abriria mão de um emprego formal, com carteira assinada, para abrir um negócio próprio. Logo nos primeiros meses, o projeto dava sinais de ir de vento em popa. Tanto que ela precisou, rapidamente, sair do apartamento que dividia com um amigo para morar sozinha, de forma que teria mais espaço para se dedicar ao ofício. Apesar do estresse e da apreensão que a adaptação à nova realidade provocaram, a micro empresária, que já tinha diagnóstico de depressão e de transtorno de ansiedade, lidou bem com as mudanças. Mas, então, veio a pandemia da Covid-19, e a euforia de antes cedeu lugar a uma ausência de perspectivas. No final de março, medidas necessária para frear a propagação do novo coronavírus, como a quarentena, significaram um revés em seu negócio. Em abril, já vendia menos de R$ 500 por mês, faturamento insuficiente para saldar até mesmo despesas básicas – como aluguel e condomínio. Para conter a ansiedade, ela mergulhou no uso de drogas. Combinava bebidas alcoólicas e cocaína em busca de conforto momentâneo, mas, no dia seguinte, amargava ressacas físicas e morais, acentuando a sensação de angústia. Longe dos familiares e sem contato com amigos, por conta do isolamento social, ela tentava pedir ajuda por meio das redes sociais, mas o indireto clamor por socorro quase nenhum efeito surtiu: mesmo sendo uma pessoa de muitas amizades, pouco espaço de escuta se abriu para ela. Desesperada, sentindo-se sozinha e desvalorizada, no ímpeto de concretizar uma ideação suicida que já a acompanhava desde a adolescência, ela tentou tirar sua própria vida.

Ainda que relate um sofrimento solitário – “quando tentei contra minha vida, não pensei em ninguém, só queria acabar com o desespero que sentia” –, Elena é sobrevivente de uma triste estatística que aponta o suicídio como um problema de saúde pública: em todo o mundo, até 800 mil pessoas acabam com suas vidas todos os anos – o que equivale a uma morte a cada 40 segundos, conforme relatório divulgado no ano passado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Detalhe: a grande maioria desses episódios poderia ser evitada, como defende a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP). E é importante salientar que, apesar dos números alarmantes, o comunicado emitido pela OMS em 2019 indicava que a taxa global de autoextermínio havia caído 10% – embora, na América, tenha subido em 6%. 

A preocupação agora, com a pandemia, é que esses índices voltem a escalar. E é neste contexto que a campanha de prevenção ao suicídio Setembro Amarelo torna-se ainda mais desafiante: por um lado, há o temor de um agravamento de quadros de sofrimento psiquiátricos que são fatores de risco para o comportamento autodestrutivo; por outro, as ações preventivas tornaram-se mais limitadas, sendo realizadas prioritariamente por meio virtual.

“Devido ao isolamento, à quarentena, ao medo, à ansiedade, à angústia, às dificuldades financeiras, ao aumento da pobreza e da fome, à desesperança pelo futuro ameaçado e ao fechamento de igrejas e instituições sociais comunitárias de apoio, a campanha neste 2020 tem importância redobrada”, aponta a médica psiquiátrica e psicanalista Marília Brandão Lemos. Para ela, por força das circunstâncias, o risco de tentativas autoextermínio se torna maior do que em tempos ditos “normais”.

Membro da diretoria da AMP, Marília acredita que a campanha encara, agora, novos desafios. Ela explica que foi necessário repensar formas de conscientização da população e de combate ao estigma. Além disso, tornou-se urgente que se desenvolvessem meios de ofertar ajuda aos necessitados de tratamento na saúde mental. “Pelo isolamento trazido pela pandemia, novas formas de assistência estão sendo criadas, como os atendimentos através de consultas psiquiátricas e psicoterápicas online e de auxílio remoto a distância, que devem continuar a ser ampliados”, diz, acrescentando que houve aumento na demanda pelos serviços “devido ao maior desencadeamento de transtornos mentais na pandemia e piora das condições econômico-financeiras na população planetária, com significativo aumento nos números mundiais de suicídio”.

Emergências públicas de saúde incidiram em aumento dos casos de autoextermínio

À luz da história, há evidências de que emergências de saúde promovem a ampliação de índices de ansiedade, depressão e suicídio. É o que assegura a professora de epidemiologia psiquiátrica Karestan Koenen, que participou de uma conferência em abril, realizada pela Harvard TH Escola de Saúde Pública Chan, nos Estados Unidos. Na ocasião, a estudiosa citou os casos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) na China, em 2002, e do ebola, no Oeste Africano, em 2013. No Brasil, uma triagem online conduzida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) demonstrou que a tendência de aumento na incidência de depressão e de ansiedade já é uma realidade: em apenas 20 dias, tais índices, que antes eram de cerca de 4%, dobraram.

Uma realidade que já é percebida por Marília Brandão Lemos: de acordo com a psiquiatra, o número de suicídios tem aumentado na pandemia. “As dinâmicas socioculturais reviradas por uma pandemia levam a um aumento dos níveis de estresse e ansiedade, acentuando conflitos domésticos – como violência, abusos, rompimentos e aumento do uso de álcool e de outras substâncias”, expõe. Esse cenário, diz, pode agravar o nível de angústia e desencadear transtornos mentais que são fatores de risco para o suicídio, principalmente quando associados também a aspectos socioculturais e financeiros, como aumento do índices de desemprego e acentuação de dificuldades básicas de sobrevivência em grupos vulneráveis.

Paradoxalmente, em alguns casos, “a convivência doméstica mais frequente, quando em ambientes familiares funcionais, pode melhorar a percepção de comportamentos e contribuir para a prevenção de desfechos desfavoráveis”.

Demanda de atendimento no CVV tem tendência de crescimento

A crescente demanda por assistência é percebida também no Centro de Valorização da Vida (CVV), que atua há 58 anos no país. Prestando apoio emocional e de prevenção do suicídio, a organização realiza – por telefone, e-mail e chat – atendimento voluntário e gratuito a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. De janeiro a agosto deste ano, somente na unidade de Belo Horizonte, foram feitos mais de 14 mil acolhimentos. “Acredito que faremos mais suportes que no ano passado”, analisa Norma Moreira, uma das 4.000 voluntárias da entidade, detalhando que, em 2019, foram realizados 3 milhões de atendimentos em todo país.

“Estamos vivendo um período atípico. A necessidade de recolhimento gera angústia, tristeza, amplia as dificuldades intrínsecas às relações. A gente percebe que, evidentemente, essas questões estão sendo potencializadas a nível de Brasil”, avalia Norma. “Parece existir um sentimento comum a todos nós, mas cuja forma de expressar e de sentir é individualizado”, conclui.

“A gente não precisa só de pão, a gente precisa de quem nos ouça, de alguém que pare para nos escutar, que seja compreensivo, que acredite em nossa capacidade de auto-resgate”, defende a voluntária que, há 20 anos, atua junto ao CVV. Ela reforça que o apoio emocional é uma importante forma de prevenção do suicídio. “Nos sentimos desvalorizados quando não temos com quem falar, quando, ao desabafar, nos sentimos julgados, ou quando sentimos que nosso pedido de socorro não tem resposta. Com efeito, a percepção de valor da nossa própria vida parece prejudicada. Por isso, uma escuta acolhedora e amorosa faz toda diferença”, pondera Norma. As observações fazem lembrar o relato de Elena, que queixou-se da dificuldade de encontrar espaços de escuta em que se sentisse acolhida.

A análise é ratificada por Marília Brandão Lemos. “As melhores maneiras e estratégias de ajudar pessoas com ideação suicida é conversar franca e afetivamente sobre as suas percepções, ouvi-la e acolhê-la sem julgamentos, sugerir a procura de um tratamento com profissionais da saúde mental e, se possível, marcar um horário e ir com ela”, aconselha. Ela recomenda, inclusive, a divulgação de serviços de apoio, como o CVV. “A grande maioria dos  suicídios poderiam ser evitados: as pessoas dão sinais de seu sofrimento e de suas intenções”, crava a psiquiatra.

Alguns grupos sociais são mais suscetíveis ao suicídio

A exemplo do relato de Elena, dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) atestam que até 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais tratáveis, em particular, depressão, transtorno bipolar e abuso de substâncias, além de esquizofrenia e transtornos de personalidade. “Muitos ocorrem de forma impulsiva em momentos de crise, com uma incapacidade de lidar com estresses da vida tais como perdas de relacionamento, de emprego, em situações de dificuldades financeiras e de adoecimento”, pontua Marília Brandão Lemos.

“Quem convive com pessoas em uma situação de sofrimento, deve ficar atento às mudanças de comportamento e aos sintomas que podem levar a uma tentativa de autoextermínio”, sinaliza a psiquiatra Marília Brandão Lemos. Servem de alerta:

  • A diminuição do autocuidado, a negligência com hábitos de higiene, o desânimo com a vaidade e a indiferença com atividades que a pessoa gostava e que lhe davam prazer;
  • O isolamento do convívio social, as recusas frequentes de estar com outras pessoas, o isolamento da família e dos amigos, a falta de vontade de viver a vida diária;
  • As oscilações bruscas de humor que antes não aconteciam, a agressividade e a impulsividade;
  • A automutilação, especialmente em jovens;
  • E o uso abusivo de álcool e de outras drogas.

Marília lembra que o suicídio é mais prevalente em períodos de transição, sendo mais comum entre adolescentes, jovens adultos e idosos. “Os adolescentes são mais impulsivos, têm menor capacidade de lidar com frustrações, são mais vulneráveis e susceptíveis às influências externas, têm dificuldades de assumir as responsabilidades que a idade adulta lhes exige. Os jovens são ansiosos em relação ao futuro. Uma perda de perspectiva é também um importante fator de risco”, analisa.

No caso de idosos, “existe  o medo de se tornar dependente, incapacitado, doente, de sofrer de dores, de ter dificuldades financeiras e de ficar sozinho, o que pode levar essas pessoas a crer ser a morte seria a melhor solução”, sinaliza.

Além disso, segundo informações oficiais do Ministério da Saúde, é importante considerar que há, além dos portadores de transtornos mentais, alguns grupos em que o suicídio é mais incidente, como:

  • Pacientes com idade de 14 a 24 anos, especialmente homens;
  • Grupos sociais mais suscetíveis a preconceito, como imigrantes, negros, indígenas e LGBTs;
  • Adolescentes com falta de perspectiva no futuro, o que é mais recorrente em países subdesenvolvidos ou naqueles que vivenciam crises econômicas.

Taxa de suicídio entre indígenas é até quatro vezes maior se comparada à média brasileira

Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mostram que, em 2014, a taxa de suicídio em indígenas brasileiros chegou a 21,8 por 100 mil habitantes. O valor é quase quatro vezes maior do que na população brasileira em geral, que, em 2015, era de 5,7 por 100 mil habitantes. De 2008 a 2012, os casos de auto extermínio de indígenas representaram 1% dos óbitos registrados no território brasileiro, um quantitativo 2,5 vezes maior do que a proporção de indígenas da população total do país – os povos nativos representam 0,4% do total populacional.

“Caracterizados pela diversidade, os indígenas apresentam configurações particulares de costumes, crenças e línguas. Em comum, constata-se que esses povos enfrentam constantemente situações de tensão social, com ameaça à integridade de seus territórios e saberes; essa insegurança os coloca em posição de maior vulnerabilidade frente a uma série de agravos e problemas concretos, como invasões territoriais, exploração sexual e uso abusivo de álcool”, aponta publicação da Revista Pan-Americana de Saúde Pública deste ano. O estudo ainda indica que, conforme a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), “a depressão e o suicídio são cada vez mais frequentes em diversas comunidades indígenas brasileiras”.

Pandemia acentua preocupação com a saúde mental entre LGBTs

Mirando uma investigação sobre como a pandemia vinha afetando LGBTs, um estudo conduzido por estudiosos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou que essa população teme pelo agravamento de um cenário de sofrimento psicológico.

Realizada pelo coletivo #VoteLGBT, a pesquisa ouviu mais de 10 mil pessoas de todo país por meio de um questionário distribuído virtualmente, sendo 90% dos respondentes identificados como cisgêneros e, 10%, como transexuais. A investigação revelou que, no período em que vigoram medidas sanitárias de restrição de circulação de pessoas, lidar com problemas de saúde mental é a maior preocupação para 44% das lésbicas, 34% dos gays, 47% das pessoas bissexuais e pansexuais e 42% das transexuais. Detalhe que 28% dos entrevistados já receberam diagnóstico prévio de depressão – marca que é quase quatro vezes maior do registrado entre a população brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2013.

Racismo promove sofrimento mental e infla taxas de suicídio entre negros

Uma outra pesquisa, divulgada em 2018, e realizada pela Universidade de Brasília em parceria com o Ministério da Saúde, identificou como uma estrutura social racista, em que agressões veladas ou explícitas são rotineiras, causa problemas individuais e coletivos. Entre as consequências estão depressão, baixa autoestima e estresse.

O levantamento aponta que a morte por suicídio de pessoas brancas entre 10 e 29 anos permaneceu estável entre 2012 e 2016. Já entre adolescentes e jovens negros, houve um aumento de 4,88 mortes por 100 mil habitantes para 5,88. O estudo observa que “os modos de adoecer e morrer da população negra no Brasil refletem contextos de vulnerabilidade” e que os jovens negros são mais afetados pelo autoextermínio “devido, principalmente, ao preconceito e à discriminação racial e ao racismo institucional”.

Índice de autoextermínio entre adolescentes cresceu 24% entre 2006 e 2015

Já em relação à população jovem do país, um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgado em 2019, demonstra que, entre 2006 e 2015, o índice de suicídio entre adolescentes teve aumento acumulado de 24%.

A pesquisa reforça que a desigualdade social e o desemprego são determinantes sociais relevantes para esse tema. Algo que gera especial apreensão. Sabe-se que, em 2019, 10,9 milhões de jovens brasileiros que não trabalhavam nem estudavam, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Há, agora, temor que a pandemia venha a agravar esse quadro. No trimestre de março a maio, a desocupação chegou a 12,9%. Isto é, 12,7 milhões estavam desempregados. Já o número dos desalentados (aqueles que já não procuram emprego) chegou a 5,4 milhões. Os dados também são do IBGE.

“Atualmente, o suicídio é compreendido como um transtorno multidimensional, resultado de interações complexas entre fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais e ambientais. O aumento de desemprego e da desigualdade social produz um ambiente social de risco”, explicou o psiquiatra Elson Asevedo, em entrevista à época em que o estudo da Unifesp foi divulgado. Ele conduziu a pesquisa ao lado de Jair Mari e Denisse Jaen-Varas.

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