Mais de dois anos de estudos e uma gravidez depois, a estudante do mestrado em ecologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Ambar Soldevila Cordoba conseguiu apresentar sua dissertação sobre a flora de sempre-vivas na Serra do Caraça, o trabalho final do curso de pós-graduação. Mas o que poderia ter sido um momento de felicidade se tornou frustração e um labirinto de burocracia, relata ela. Com um recém-nascido em casa e com o dinheiro escasso depois de perder a bolsa de R$1.500 e ver seu pequeno restaurante em Lavras Novas minguar, ela não conseguiu entregar os documentos e correções finais do curso no prazo e perdeu o título de mestre, por decisão do colegiado da pós-graduação.
O relato de Ambar em suas redes sociais viralizou no início desta semana, atraindo atenção de milhares de mulheres sobre as dificuldades que o mundo acadêmico impõe às mães cientistas. “Meu maior objetivo com o mestrado era ter um currículo mais profissional, para poder concorrer melhor a oportunidades de emprego, ainda mais agora que eu tive um filho. Na biologia, todos fazem mestrado e doutorado, para os meus colegas que já se formaram, fez diferença. Mas ninguém imagina antes de um filho que o puerpério vai ser super, mega, hiper difícil e que você vai passar por dificuldades financeiras, que foi o que aconteceu comigo”, detalha, em entrevista.
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Bolsistas de mestrado grávidas têm direito a quatro meses de licença-maternidade pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que paga as bolsas, mas ela só começa a contar após o bebê nascer, e não nos momentos finais da gravidez, como nas empresas. Como o filho de Ambar, Caetano, nasceu poucos dias depois da defesa do mestrado, ela não conseguiu o afastamento e ainda precisava, em até seis meses, entregar as correções da dissertação e um artigo para publicação em revista científica, requisitos para conseguir se formar como mestre.
“Eu estava passando por um dos momentos mais desafiadores da minha vida, não tive rede de apoio, eu e meu companheiro estávamos com dificuldades financeiras, com uma dívida enorme. Além disso, meu filho sempre teve distúrbios do sono, acorda (até hoje) de hora em hora. Eu estava vivendo sob extremo estresse, mal conseguia tomar banho, vivendo o limbo do puerpério (quem viveu sabe!) praticamente sozinha. Eu só conseguia pensar em descansar, cuidar do meu filho e atender minhas necessidades básicas”, explica, em seu post.
Ela conta que entregou os documentos necessários para a formação, após o prazo, mas o colegiado da pós-graduação decidiu, em votação, não conceder o título. Agora, ela tentará recorrer contra a decisão.
Além de lidar com os estudos e com a nova maternidade, Ambar relata que a pizzaria que gerencia com seu marido, em Lavras Novas, ficou às moscas durante a maior parte da pandemia, devido à falta de movimentação turística na região. “Quando a bolsa de mestrado terminou, eu não tinha mais a bolsa de R$1.500. O negócio deu um declínio e a cada mês ficávamos mais no vermelho. A gente se afundou e, nesse momento, eu não tinha como terceirizar minha maternidade para entregar as coisas no prazo”, completa Ambar.
Seu post gerou uma onda de solidariedade. “Sinto muito por você e por sua família, Ambar. Esse título vai voltar para você. Fazer palestra de mulheres na ciência é lindo, quando, na prática, não amparam mães no processo acadêmico. Se você tinha um prazo pós defesa e a maternidade ocorreu nesse período, tem que ter legislações claras e que amparem você e todas as outras”, disse um dos comentários. “A invisibilidade da maternidade e principalmente da sobrecarga que ela gera infelizmente é uma realidade em muitos espaços da sociedade”, pontua outro.
Mães influencers endossaram os questionamentos de Ambar e a deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG) também declarou apoio à estudante.
No início da tarde desta terça-feira (31), a Ufop publicou uma nota em que afirma que o caso "está sendo acompanhado pela coordenação do programa de pós-graduação envolvido e pelas instâncias superiores há dois meses, quando a questão foi julgada. O assunto continua em pauta e o conselho superior relacionado ao tema deve ser acionado para avaliar a situação".
A nota, assinada pela reitora, Cláudia de Lima, e pela pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, Renata Cota, também se solidariza com as mães pesquisadoras e pontua que os prazos são definidos nacionalmente. "Esse caso específico revela os desafios pelos quais muitas mulheres, na Ufop e em todas as universidades brasileiras, passam diariamente. Os prazos estabelecidos para a conclusão das pesquisas de mestrado e doutorado são estabelecidos nacionalmente, não sendo facultada às instituições a possibilidade de definir prazos ou de oferecer condições diferenciadas para estudantes devido a fatores ou circunstâncias que possam interferir em seus processos de formação".
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