A cada cem pacientes que tiveram Covid-19 em Minas Gerais, dois morreram. Se o percentual é pequeno, a quantidade de vidas não é: desde março, mais de 4.000 pessoas se foram com a doença no Estado. Mas nenhum desses óbitos aconteceu por falta de atendimento. Pelo contrário. Até agora, dos cerca de 175 mil casos confirmados, cerca de 140 mil já se curaram pelas mãos e sob os olhos atentos de milhares de médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos. Olhos que viraram um potente instrumento de comunicação, já que o rosto está o tempo todo escondido.
Por trás de cada máscara, está um profissional de saúde. Mas também estão pais, mães, filhos, avôs, tios e amigos. Um verdadeiro batalhão que, desde o começo da pandemia, luta não só contra o coronavírus, mas também contra incertezas, medo, angústia, saudade, e até mesmo contra o preconceito.
O medo acompanha Leíse o tempo todo, mas também abre espaço para o alívio, quando ela vê um paciente sair bem e voltar para casa. “Existe muito cansaço e exaustão, porque eu lido com pacientes em estado crítico e isso exige uma demanda assistencial muito grande”, afirma.
Às vezes, Leíse fica pensando que um dia vai cruzar com um deles na rua e nem será reconhecida. “É que eles só veem a gente de máscara. Mas não tem problema, porque só de saber que ajudei alguém, eu fico muito satisfeita. Não vou me deixar abater, não vou me deixar vencer pelo cansaço. Fiz um juramento e estarei sempre ao lado os meus pacientes, lutando até o fim”, destaca a enfermeira.
“Por trás da máscara, tem uma pessoa que sofre, que chora e fica triste. Mas também fica muito feliz quando um paciente sai bem do hospital”, ressalta Leíse.
Todos os dias, a fisioterapeuta respiratória Juliana Farah cuida da respiração dos pacientes com Covid, no CTI da Santa Casa-BH, onde trabalha. Mas, recentemente, ela enfrentou uma situação que lhe tirou o ar: a irmã pegou Covid-19 e precisou se isolar para não contaminar a família. E Juliana, com seus 12 anos de experiência, não pode ajudar a irmã de perto.
“Moramos com nossos pais, que são idosos. Então, minha irmã foi para um flat. Na segunda noite, ela me ligou chorando, às 2h da madrugada, dizendo que estava com muita falta de ar, pedindo que eu chamasse uma ambulância. Fui dando instruções para que ela deitasse de bruços, que ajuda na respiração. Fui tentando acalmá-la, mas só Deus sabe o que eu passei. Naquele momento, eu senti na pele o que as famílias dos pacientes com Covid sentem, sem poder vê-los”, desabafa Juliana.
A irmã de Juliana não precisou ser hospitalizada e já se recuperou. Mas a fisioterapeuta jamais vai esquecer a sensação. “Eu sofri o que essas famílias sofrem todos os dias e vi o quanto é importante a gente está perto. O quanto é importante as ações que são feitas no hospital, com vídeo-chamadas, para amenizar a distância e levar um pouco de tranquilidade”, afirma.
Os plantões são longos, às vezes, com mais de 24 horas. O cansaço é grande. A preocupação de levar o vírus para casa é constante. Mas para Juliana, nada se compara ao distanciamento imposto pela pandemia. “Eu sinto muita falta de muitas coisas, mas do que eu mais tenho saudade é de dar um abraço verdadeiro nos meus pais, nas minhas irmãs e nos meus amigos. Meu medo é que, quando tudo isso passar, as pessoas deixem de lado o afeto, o toque”, afirma a fisioterapeuta.
Por trás da máscara, Juliana carrega no rosto as feridas provocadas pela pressão do equipamento de proteção. No entanto, são outras marcas que a preocupam mais. “A máscara aperta, dói, incomoda, deixa marcas físicas, mas é necessária. Mas, para o resto das nossas vidas, levaremos essas marcas no coração”, desabafa Juliana.
Estresse não é novidade para a médica intensivista Letícia Machado, que tem 8 anos de profissão. Mesmo assim, a pandemia conseguiu deixar a rotina ainda mais desafiante. “A gente já lida com paciente grave diariamente, mas com a chegada de uma doença nova, tem sido mais pesado, porque vemos mudanças toda hora. Não está sendo fácil”, desabafa a médica do CTI do Hospital Lifecenter.
Como se não bastasse as incertezas que vieram junto com a Covid-19, o vírus trouxe um desgaste a mais para os médicos. “A rotina aumentou, o estresse também. Fica pesado para gente, que é da saúde, porque ficamos no meio de uma situação difícil, entre o paciente, que está sofrendo, sentindo falta da família, e a família, que não pode vê-lo”, conta a médica, que reza para que tudo passe logo e tanto ela, quanto os pacientes, possam ficar de novo perto dos familiares.
Desde março na linha de frente do combate à Covid-19, Letícia já carrega marcas no rosto, provocadas pela pressão da máscara, e nas mãos, machucadas pelo uso constante de álcool. “Mas nada se compara à falta que eu sinto da minha família.
O preconceito também está presente na jornada de quem trabalha em hospitais. “Existe sim. A gente sofre por estar atuando com Covid, não só por pessoas leigas, mas também por colegas que não estão atuando diretamente. Mas é compreensível, é uma fase e vai passar”, afirma Letícia.
A psicóloga Letícia Maroni trabalha diretamente o acompanhamento de familiares e pacientes com Covid, no Lifecenter. Para ela, o mundo inteiro está vivendo um misto de emoções. “Ao mesmo tempo que a gente vivencia medos, inseguranças, incertezas e preocupações excessivas, a gente também tem emoções positivas de gratidão e satisfação por poder fazer alguma coisa”, explica.
Letícia Maroni vivencia na pele essa mistura de sentimentos. “Eu vejo receio de algumas pessoas, por saberem que sou da área da saúde. Mas também vejo orgulho e reconhecimento”, afirma a psicóloga, que está explorando as novas possibilidades de comunicação que pandemia trouxe.
É que o sorriso, que é uma marca registrada do acolhimento, teve que dar lugar a outras formas de interação. “O sorriso é o que mais fala por nós, mas ficou escondido atrás da máscara. Agora, as pessoas nos reconhecem pela voz, pelo olhar. E mais do que essa coisa da percepção física, elas nos reconhecem pelo afeto, cuidado e proximidade. E isso é muito positivo”, afirma a psicóloga.
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