A falta de oportunidade escancarada pelo racismo institucionalizado e a ausência de protagonistas negros – seja à frente das câmeras ou atrás do palcos – são fatores sintomáticos de que a arte, mesmo com todo o seu discurso progressista e libertário, também segrega. Para combater distinções preconceituosas muitas vezes veladas na cena artística, um coletivo de músicos negros resolveu se organizar para impulsionar suas distintas propostas criativas, com a inauguração da plataforma Instante de Música Negra (IMuNe). O lançamento da plataforma, aconteceu no último domingo (04), no Galpão Cine Horto com apresentação do disco “Fio Desencapado”, de Rodrigo Jerônimo, será apenas o primeiro de uma série de shows previstos para dezembro.
A concepção da Imune nasceu a partir de percepções sobre situações excludentes da cantora Bia Nogueira e de Jerônimo. “Da mesma forma que a Bia apontava a falta de mulheres compositoras em eventos de música, começou a apontar a ausência de negros, seja apresentando seus trabalhos em editais e mostras, seja produzindo, integrando curadorias. É só ir a qualquer festival na cidade e ver, é empírico. Quantos negros estão no Savassi Festival ou em qualquer outro?”, questiona Rodrigo.
Atualmente com oito artistas envolvidos, a IMuNe pretende consolidar uma rede de músicos negros para promover um “quilombismo” cooperativo entre os artistas – sem se moldar através de estruturas convencionais e escritórios de marketing.
“A ideia da plataforma é criar uma autonomia dos artistas. Que a gente consiga elaborar projetos, discos, shows, sem estar em um escritório, num modelo aprisionador. Da minha casa poderei fazer uma tarefa para alguém do Imune, divulgar o disco do fulano nas redes sociais, contribuir com uma arte, um vídeo. É um processo altamente colaborativo, bem ao estilo do ‘quilombismo’, com a peculiaridade de que todo mundo sai ganhando com seu trabalho ao ajudar o outro”, diz Jerônimo.
Shows. A apresentação da Imune ao público aconteceu domingo com o lançamento do disco “Fio Desencapado”, de Rodrigo Jerônimo. Antes do show, ele e os outros integrantes da plataforma preparam uma performance para apresentar as ações cooperativas de música negra.
Não por acaso, o disco de Jerônimo carrega as marcas de uma produção talhada a várias mãos. Há três anos em composição, as canções são assinadas por diferentes parceiros admirados pelo músico, como Paulo César Anjinho, Guilherme de Marco, HG Erik, Maurício Patitucci e Makely Ka, que compôs a faixa título, um repente com distorções de guitarra e o acréscimo do violino de Nath Rodrigues. “Procurei pessoas que eu me identificava. A ideia era contar a história de quem vem do interior para a cidade, como foi meu caso, que nasci em Matozinhos. Por isso, as letras também falam muito de mim, desse contraste de sertão e cidade grande. E o som também mistura violões mais modernos com arranjos mais tradicionais de batuques”, diz Jerônimo, também ator e fundador da companhia teatral Grupo dos Dez.
O disco ainda conta com participações de Sérgio Pererê e Titane, com quem o artista mineiro já dividiu o palco. “É um disco que faz muito uso da voz como elemento, influência desses dois artistas, além de ser bastante centrado nas percussões e na guitarra. Uma confluência”, define Jerônimo.
A próxima artista a lançar seu álbum pela plataforma IMuNe é Maira Baldia, em show no dia 18 de dezembro, às 17h, na Casa do Baile. Na sequência, haverá shows de Guilherme Ventura, Bia Nogueira, Talita Barreto, Rafael Salles, Marquim D’Morais, Azzula, Rodrigo Santos e Alysson Salvador.
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