Sexta, 16 de Maio de 2025
16°

Tempo limpo

Sete Lagoas, MG

Cidades VIOLAÇÕES

Ala LGBTQIA+ de presídio em São Joaquim de Bicas sofre com onda de mortes

Christina Oliveira, 40, é egressa da ala LGBT, primeira do gênero no Brasil, e recebeu por telefone a notícia da morte de seu companheiro, morto por enforcamento aos 24 anos

30/06/2021 às 10h04
Por: Redação Fonte: Mega Cidade com O Tempo
Compartilhe:

Egressa da Ala LGBT da Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na região Central de Minas Gerais, a transexual Christina Oliveira, 40, permanece em um quarto alugado no bairro Jaqueline, à região Norte de Belo Horizonte, à espera do namorado Fábio Almeida*, que, contudo, nunca chegará.

Com um lençol amarrado ao pescoço, o rapaz de 24 anos cometeu suicídio em uma das celas do pavilhão especial da unidade prisional à Sexta-Feira da Paixão, em 2 de abril. Ele não foi o único a se matar no presídio. 

Uma onda de suicídios com cinco episódios de autoextermínio constatados e, pelo menos, duas tentativas, tornou-se alvo de uma denúncia feita pela antropóloga Vanessa Sander à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 16 de junho.

Violações de direitos e omissão do Estado são apontadas pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) como hipóteses de causas para as mortes ocorridas no presídio de São Joaquim de Bicas.

O órgão ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra Minas Gerais, à quinta-feira passada (24), pedindo indenização de R$ 1 milhão por danos morais coletivos. Em relação a um dos cinco suicídios, internas declararam que agentes penitenciários não quiseram prestar socorro a uma detenta que convulsionava após ter ingerido 54 comprimidos. Mortes ocorreram em 13 de janeiro, 2 de abril, 4 de maio, 9 de maio e 18 de junho. As tentativas de suicídio, nos dias 12 e 15 de maio. 

"A ponto de fazer uma besteira"

"'Tô' aqui sem rumo, sem chão, pensando na vida, pois não tenho ninguém por mim, a não ser você. E eu não 'tô' aguentando isso, 'tô' a ponto de fazer uma besteira".

O nome do município São Joaquim de Bicas encabeça a carta escrita em letras redondas por Fábio Almeida*, 24, à namorada Christina Oliveira, 40. A declaração de amor entremeada por confissões e promessas para o futuro foi uma entre as raras cartas guardadas pela mulher após a morte do rapaz – a quem ela apresenta como "marido". 

Egressa da Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, Christina conquistou o direito à liberdade em condicional em 17 de março de 2020, sete anos após ingressar no sistema carcerário onde sofreu agressões, xingamentos e mesmo um estupro coletivo – este em um presídio masculino para onde foi mandada quando de sua prisão. Pertence àquele dia a última lembrança que guarda de Fábio. "Eu dei um beijo nele e falei com ele que eu estaria esperando".

Recém-saída do cárcere, ela começou a ganhar a própria renda como balconista em um supermercado e alugou um quarto com banheiro no bairro Jaqueline, à região Norte de Belo Horizonte, para aguardar pelo marido, cuja soltura aconteceria entre os meses de agosto e setembro de 2021.

No imóvel apertado, é impossível não perceber o cuidado das paredes pintadas em tons de mostarda e cor-de-rosa. Foi ali que instalou uma cama, um par de copos, um espelho e um isopor que usa como geladeira. O canto aos poucos preparava-se para ser a primeira residência do casal fora da cadeia. Os planos não vão se concretizar. 

"O que mais dói, sabe o quê que é? É que eu aluguei esse quarto e hoje sei que ele não vai voltar. Então dói. Chega a doer meu coração porque isso foi ideia dele, de eu alugar um quarto para gente viver. Eu tô esperando por uma pessoa que não vai voltar. Dói mais ainda porque foi negligência dos agentes".

Christina soube da morte de Fábio após ser contatada por uma ex-detenta recém-saída. "Quando descobri que os meninos morreram, caí aqui dentro no choro. Todos eram muita coisa pra mim, não só o Fábio*, mas eram pessoas que eu convivi de abraçar, de beijar... Conheço todo mundo que está lá. Eu ligava sempre para a assistente social do presídio para saber do Fábio, e não conseguia falar. Foi uma presa que saiu de lá e falou comigo: 'Christina, eu não tenho uma coisa boa para te falar. Ele suicidou. Por isso você não está tendo retornos dele'". 

Negligência do Estado

A negligência dos agentes penitenciários e da direção do presídio e as violências praticadas contra internos da ala LGBT são, para Christina Oliveira, a principal razão para os cinco suicídios ocorridos na Professor Jason Soares Albergaria.

"Ali é muito sofrimento. Nós já tiramos colegas com lençol amarrado no pescoço, entende? Várias vezes nós acordávamos e encontrávamos a pessoa desfalecendo depois de misturar um monte de remédios e tomar. Aí, quando chamávamos o atendimento, os agentes diziam 'ah, eu não vou atender, tomou porque quis. Por mim, morre aí'". Sobre a morte de Fábio, ela soube por colegas que ele teria pedido para ser transferido de cela, e, diante da negativa dos agentes, se matou.

"Era um menino novo, de 24 anos... Tinha muitas coisas para viver. Saber que ele pediu para o agente tirar ele de onde ele estava, e que o agente disse que não ia tirar ele, sabendo que ele ia fazer uma loucura... Isso dói mais ainda, porque foi negligência". 

De seus sete anos na Jason Soares Albergaria, Christina coleciona memórias traumáticas de agressões por parte de agentes penitenciários, da ausência de cuidados médicos e da superlotação que obrigava que internos se revezassem para não dormir no chão.

"Os agentes não tinham paciência, chamavam a gente de 'veado', puxavam o cabelo... Às vezes, quando alguém passava mal, o que infelizmente acontece muito pelo número de soropositivos, a gente tinha que gritar para ajudar o irmão que estava com febre de até 40 graus, entende? Quando nós fazíamos barulho, o Grupamento de Intervenção Rápida (GIR) já entrava no pavilhão jogando spray de pimenta na gente. E o pessoal ficava passando mal lá". 

A carência dos suprimentos fornecidos pelo Estado também figura no rol de violações por ela citado. "O kit que a cadeia fornecia era com um rolo de papel higiênico para cada cela. Eu, por exemplo, estava numa cela com 26 pessoas. Então, imagina um papel higiênico para 26 pessoas, um barbeador e duas barras de sabão. Apanhei muito dos agentes. Eles batiam na cara da gente, chutavam a gente", encerra. 

Nome social

O desrespeito ao nome social de transexuais e travestis é outra das agressões atribuídas à massa de agentes penitenciários da Professor Jason Soares Albergaria.

"Diversos agentes ali já receberem cursos para poder respeitar as meninas, usar o nome social, e muitos não fazem porque não querem mesmo, porque têm preconceitos enraizados", narra Isabella Cristina, 33.

Egressa da penitenciária, ela saiu do cárcere em maio passado e atua em programas de apoio às transexuais como o Clã das Loucas e o Transpasse. Isabella defende que do início da nova gestão do presídio para cá, a situação melhorou, entretanto, para ela, há muito a ser feito.

"Eu passei no sistema por várias direções e até acredito que esses problemas são de muito antes dessa atual direção. Eu não poderia falar aqui sem deixar claro minha satisfação com a direção atual, sabe? O problema é o esquecimento da ala pela Coordenadoria de Segurança do Sistema Prisional".

Em relação aos suicídios, ela critica omissão de órgãos e instituições quanto à situação do presídio. "Foi só depois de ocorrer quatro suicídios que os órgãos decidiram ver o que estava acontecendo. Precisou ocorrer esse número de mortes", critica. 

Sejusp responde 

Por e-mail, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) deu respostas às denúncias feitas pelas duas egressas da ala LGBTQIA+ da penintenciária em São Joaquim de Bicas. 

Segundo a Sejusp, o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) oferta, com regularidade, capacitações para os servidores da penitenciária sobre identidade de gênero e direitos das pessoas LGBTQIA+. Também já foram protocoladas orientações, além da publicação de normativas, memorandos e resoluções sobre o uso do nome social. 

"Em relação às denúncias, custodiados podem comunicar aos assistentes sociais e psicólogos, durante seus atendimentos, sobre possíveis descumprimentos das orientações sobre o tema", afirmou a secretaria.

Questão de segurança

Sobre a relatada agressividade dos agentes penitenciários contra as internas da ala, a Sejusp informou que o Grupamento de Intervenção Rápida (GIR) atua no suporte às atividades de revista e que "detalhamentos sobre como as ações são realizadas não são divulgados por questões de segurança".

Em relação às outras queixas como a superlotação, a secretaria afirmou que não procede, de forma alguma, a informação de superlotação.  "A lotação da unidade no momento é de apenas 65,15% da sua capacidade, sendo no máximo quatro presas por cela. Por questões de segurança, não informamos a lotação de unidades prisionais específicas", informou a Sejusp.

Ainda conforme a secretaria, em 2021, houve apenas um registro de comida entregue fora dos padrões previstos em contrato e próprios para o consumo. O problema foi identificado no último dia 6 de junho, e foi imediatamente resolvido com a reposição da alimentação, conforme cláusulas contratuais. 

Sobre as mortes

De acordo com a secretaria, quatro óbitos foram registrados na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em 2021. Para todos eles foram abertos procedimentos internos para a devida apuração administrativa.

"Dois resultados periciais, remetidos pela Polícia Civil,  já foram encaminhados ao Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) e constam como causa indeterminada. O departamento aguarda o relatório dos outros dois óbitos", aponta a Sejusp na nota.

Ainda conforme a secretaria, a família é comunicada sobre problemas de saúde ou óbito por meio da assistente social do presídio, que entra em contato, geralmente por meio de uma ligação telefônica, de acordo com os dados registrados no cadastro dos presos.

Atendimento médico

Por fim, a Sejusp afirma que a penitenciária conta hoje com uma equipe completa de saúde, que realiza atendimentos semanais na unidade prisional. O setor é composto por um médico clínico geral, uma enfermeira, um técnico de enfermagem, um psiquiatra, um psicólogo, um dentista e um auxiliar de consultório dentário.

Segundo a secretaria, não procede a informação de que internos e internas recebem as doses de uma semana de uma única vez. "A separação e a distribuição de medicamentos são realizadas diariamente", pontuou a Sejusp.

*O nome foi trocado para preservar a identidade da vítima.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
Sete Lagoas, MG Atualizado às 08h08 - Fonte: ClimaTempo
16°
Tempo limpo

Mín. 12° Máx. 25°

Sáb 25°C 12°C
Dom 26°C 12°C
Seg 26°C 13°C
Ter 27°C 13°C
Qua 26°C 13°C
Anúncio
Horóscopo
Áries
Touro
Gêmeos
Câncer
Leão
Virgem
Libra
Escorpião
Sagitário
Capricórnio
Aquário
Peixes
Anúncio
Anúncio