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Estação Ferroviária de Cordisburgo completa 121 anos: um marco da história, do progresso e da literatura

Ícone de uma época, de encontros e desencontros, de história e cultura

06/08/2025 às 09h14
Por: Redação
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Estação Ferroviária de Cordisburgo completa 121 anos: um marco da história, do progresso e da literatura

Neste dia 5 de agosto de 2025, a Estação Ferroviária de Cordisburgo completa 121 anos desde sua inauguração oficial em 1904. Muito mais do que uma simples parada de trens, a estação foi, durante décadas, o coração pulsante de um município em formação, ponto de encontro de histórias, famílias, mercadorias, turistas e sonhos.

A inauguração da estação ocorreu de forma solene e prestigiada, marcando oficialmente o início da operação do trecho ferroviário entre Cordisburgo e Curvelo. O ato contou com a presença do então Presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves, e do Presidente do Estado de Minas Gerais, Dr. Francisco Antônio de Salles, além de diversos ministros, deputados, engenheiros e representantes diplomáticos, como os cônsules da Itália e de Portugal.

Conforme relatado na edição de agosto de 1904 do Jornal do Commercio, o trem chegou a Cordisburgo por volta das 11 horas da manhã. Assim que adentrou a estação, uma salva de morteiros de dinamite foi disparada para saudar a comitiva presidencial. A cidade se encontrava ornamentada, e a população local aguardava em clima de festa a chegada das autoridades.

“Nas lagoas pousavam bandos de garças, e o conjunto formava uma perspectiva de grande beleza”, descreve o jornal, referindo-se ao percurso entre Cordisburgo e Curvelo, então recém-inaugurado. O texto também destaca que o trajeto foi percorrido com grande entusiasmo, em meio a aclamações da população e recepções organizadas em outras paradas ao longo do trajeto.

Cordisburgo, ainda distrito à época, foi o ponto de partida de uma nova fase da malha ferroviária que visava integrar o Norte de Minas à capital e, futuramente, às demais regiões do Brasil. A inauguração representou o início simbólico da presença do progresso e da integração regional promovida pelos trilhos.

Dados historiográficos apontam que a linha férrea inicialmente da Estrada de Ferro Dom Pedro II, que se tornaria a Estrada de Ferro Central do Brasil inicialmente não contemplava Cordisburgo em seu traçado original. No entanto, foi graças à atuação estratégica do Padre João de Santo Antônio, em conjunto com políticos locais da época, que essa realidade mudou. Determinado a garantir o desenvolvimento da então Vista Alegre, Padre João e sua comitiva viajaram até o Rio de Janeiro, à época capital federal do Brasil, para uma reunião decisiva com representantes do governo federal e da direção da ferrovia. A articulação surtiu efeito: Cordisburgo foi incluída no traçado e recebeu a estação ferroviária.



Desenvolvimento econômico impulsionado pelos trilhos

Já nos primeiros anos, a ferrovia se consolidou como vetor de desenvolvimento. Matéria do jornal Nação Brasileira, de 1940, mostra a importância do transporte ferroviário na movimentação de mercadorias. Em 1938, ano de emancipação da cidade, a estação de Cordisburgo havia registrado a exportação de 42.894 quilos de manteiga, 24.816 quilos de creme, 5.000 bovinos e 1.000 suínos. Esses dados revelam a força econômica da região e o papel logístico essencial da ferrovia.

A ferrovia também empregava grande parte da população. Muitas famílias cordisburguenses se formaram a partir dos laços criados nos trilhos - pais, filhos e netos que dedicaram suas vidas aos serviços ferroviários, em funções que iam desde chefes de estação até guarda-chaves.



Acidentes e curiosidades

Nem só de progresso se fez a história da estação. Cordisburgo também foi palco de diversos acidentes ferroviários ao longo das décadas, o que reflete os desafios da operação ferroviária nas primeiras décadas do século XX.

Um dos primeiros registros ocorreu em 1924, nas proximidades da estação, quando um trem ficou imobilizado por mais de quatro horas devido ao atolamento de uma locomotiva em terreno instável, conforme publicado pelo O Estado de S. Paulo em 10 de setembro daquele ano. O incidente causou grandes transtornos e atrasos no tráfego de composições da linha.

Outro acidente de destaque ocorreu em 1931, entre Cordisburgo Araçaí, envolvendo o tombamento de uma composição que transportava carga e passageiros. Segundo o relato do jornal O Estado de S. Paulo de 1º de fevereiro, o maquinista ficou gravemente ferido, e houve danos materiais significativos.

Além desses, um trágico acidente ferroviário foi registrado em 1936, e detalhado pelo Jornal do Commercio. Na ocasião, dois trens colidiram na estação de Cordisburgo, um deles fazia manobras quando foi atingido por um trem expresso. Sete pessoas ficaram feridas, entre elas passageiros de primeira classe, o chefe do trem, um ajudante e um guarda-freios. Vagões e locomotivas tombaram, a linha foi interditada por mais de 70 horas e os prejuízos foram expressivos. A causa apontada foi erro do maquinista do trem expresso, que não respeitou o sinal de parada.

Outro momento marcante da história da estação ocorreu em 29 de maio de 1944, quando o então governador de Minas Gerais, Benedito Valadares, passou por Cordisburgo durante uma excursão oficial ao Norte de Minas. Mesmo sendo 23h30 da noite, a população organizou uma calorosa recepção, convocada pelo então prefeito José Maria Gordiano dos Santos.

A homenagem, conforme relatado pelo Nação Brasileira, foi marcada por entusiasmo popular e cívico, com discurso do jovem e talentoso Cristovam Colombo Rocha, que exaltou a importância de Valadares para o progresso de Cordisburgo. O governador, surpreso com a manifestação espontânea e vibrante da população mesmo àquela hora da noite, agradeceu a recepção e destacou a importância da cidade no contexto do desenvolvimento mineiro.

Logo após a parada, o trem do governador seguiu viagem rumo ao Norte, deixando para trás uma memória que permaneceu viva por longo tempo entre os moradores da cidade.

Em todos estes anos, várias presenças ilustres foram registradas no local como os presidentes da república Juscelino Kubitschek e Humberto de Alencar Castelo Branco Castelo Branco, e o governador de Minas Gerais Israel Pinheiro.

A estação na vida e obra de Guimarães Rosa

A importância da estação de Cordisburgo transcende o campo econômico. Do outro lado da linha, está localizada a casa onde nasceu o escritor João Guimarães Rosa, hoje transformada em museu. Rosa, que viveu parte da infância por ali e tempos depois passava suas férias na cidade, fez muitas de suas viagens pelo trem de passageiros que parava na estação, e dali absorvia o movimento, os personagens e os dramas humanos que depois ganhariam corpo em sua obra literária.

Na venda de seu pai, localizada nas proximidades, observava viajantes, tropeiros, mascates e sertanejos, tipos humanos que habitam seus contos e romances. Um exemplo marcante é o conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, cujo cenário se desenrola na própria estação ferroviária de Cordisburgo. Assim, o local também é um símbolo literário da mineiridade e da sensibilidade rosaiana.



Porta de entrada do turismo e cenário de cor e memória

Antes mesmo da criação de políticas públicas voltadas ao turismo, Cordisburgo já era destino de viajantes interessados nas belezas naturais, como a Gruta de Maquiné. A estação era considerada a porta de entrada, recebendo turistas e estudiosos desde o início do século XX.

Além disso, Cordisburgo ainda hoje possui movimento diário de composições cargueiras, ligando a capital Belo Horizonte ao Norte de Minas e ao Nordeste Brasileiro. É comum o tráfego de trens transportando milho, soja e outros grãos, reforçando o papel logístico da cidade na cadeia produtiva nacional.



A chegada do trem: festa, sabores e personagens inesquecíveis

Antigamente, os trens de passageiros da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) que circulavam por Cordisburgo faziam parada na estação nos horários de almoço e jantar, momentos que se transformavam em verdadeiros eventos comunitários. A movimentação intensa tomava conta do local, e a cidade entrava em ritmo de festa.

Segundo reportagem de Adriano Bossi, com colaboração de Brasinha, publicada pelo Cordis Notícias em 2015, os preparativos começavam cerca de meia hora antes da chegada do trem. O senhor Trombini, responsável por servir café na estação, saía de sua casa na Rua de Baixo e era seguido por um cortejo fiel: Piaba (com o tabuleiro), Tijolo (com o bule gigante), Mico (com copos e canecas), Tal (com os salgados), Moge (carregando uma mesa sobre a cabeça) e Pedro (com os demais utensílios). A cena se repetia diariamente, com ares de solenidade.

Na mesma rua, funcionava a Pensão da Patrocínia, que aguardava os clientes com postura firme, uma das mãos à cintura. O local funcionava onde por anos funcionou um escritório de contabilidade. Já na Rua de Cima, onde viria a ser instalado o Museu Casa Guimarães Rosa, estava a Pensão da Lourdes, administrada pela esposa do alfaiate Juventino. Do alto da escadinha, entre meninos que vendiam frutas e engraxavam sapatos, Lourdes anunciava em alto e bom som: “Venham pra cá que a minha comida é boa!”.

Ao lado, o elegante Argentina Hotel, batizado em homenagem à proprietária Argentina Saraiva Viana, recebia hóspedes ilustres como os presidentes Juscelino Kubitschek e Castelo Branco, o governador Israel Pinheiro, e músicos da Orquestra Cassino de Sevilha. Mais adiante, na mesma rua, o Bar do Abel reunia maquinistas, foguistas, chefes de trem e atendentes do carro-restaurante em animadas jogatinas à valer durante a parada para o almoço.

A chegada do trem, portanto, era mais que um evento logístico. Era um espetáculo cotidiano de sabores, encontros e personagens que marcaram época.

Declínio, privatização e função atual

Com a privatização da malha ferroviária nacional e a consequente extinção da Rede Ferroviária Federal, a estação foi desativada. Hoje, embora esteja fechada ao público, ainda tem uso técnico: em seu interior funciona uma central de fibra óptica e um pequeno depósito. A estação permanece como símbolo da memória, embora silenciosa em seu propósito original.

A cidade de Cordisburgo, no entanto, ainda guarda laços com o mundo ferroviário. A linha férrea que atravessa o município é parte da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), administrada pela VLI. Cordisburgo é uma das poucas cidades da região que ainda mantém trabalhadores ferroviários fixos, com sede operacional instalada na antiga cantina ferroviária, atualmente servindo como alojamento para os funcionários.

Assim, Cordisburgo ainda vive, mesmo que em menor escala, o cotidiano da ferrovia que foi base de sua fundação, de sua economia e de sua cultura.



Última abertura ao público: memória, arte e tradição

A última vez que o prédio da estação ferroviária foi oficialmente aberto ao público ocorreu há vários anos, durante uma edição especial da Semana Roseana. A iniciativa foi organizada pela Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa, com o objetivo de valorizar o espaço histórico e aproximá-lo da população. Na ocasião, o interior da estação recebeu uma exposição de artesanatos produzidos no município, com destaque para os bordados do Grupo da Melhor Idade Estrelas do Sertão, que encantaram os visitantes com sua delicadeza e simbolismo.

No entanto, quem esperava encontrar os vestígios da antiga estação em funcionamento se deparou com a ausência de quase tudo que existia na época. Não restaram móveis tradicionais, nem equipamentos históricos como o telégrafo, tampouco o famoso livro de ocorrências com o grande acervo fotografias históricas da ferrovia e da cidade, que por anos foi mantido no local. Restaram apenas as memórias guardadas no chão de cimento, nas espessas paredes e na arquitetura original do prédio, ainda imponente. Todo o restante se perdeu com o tempo, reforçando o quanto é urgente preservar o que ainda resiste na história viva de Cordisburgo.



Guardião da memória: um olhar vivo sobre os trilhos

Para celebrar esta data tão especial, o Cordis Notícias produziu um vídeo exclusivo para o quadro "Cordis Por Aí", resgatando histórias de quem viveu intensamente a época de ouro da ferrovia. Estivemos no local da antiga estação e conversamos com o Sr. Geraldo Félix Ribeiro, o querido Gezinho, um dos muitos ferroviários que marcaram época em Cordisburgo. Agente de estação em várias localidades, Gezinho carrega consigo não apenas as lembranças, mas também o orgulho de quem viu, desde menino, a ferrovia transformar a cidade. Com palavras simples e olhar emocionado, ele nos conduz por memórias que não estão nos livros, mas nas vivências de quem fez parte dessa história. Um verdadeiro guardião da memória ferroviária.

Mais do que pedras, trilhos e paredes, a estação ferroviária de Cordisburgo carrega a alma de uma cidade moldada pelo apito dos trens e pela esperança de quem embarcava ou aguardava na plataforma. Celebrar seus 121 anos é reconhecer que ali pulsa uma memória coletiva, feita de trabalho, encontros, chegadas, partidas e sonhos. Que esse legado não se perca com o tempo, mas siga vivo nos relatos como o de Gezinho, nas lembranças dos antigos, nas novas gerações que ainda passam diante daquele prédio silencioso. Porque Cordisburgo não nasceu apenas de um chão de terra, mas de um chão de ferro - e é nos trilhos da memória que ela continuará seguindo viagem.

Por Lucas Gustavo



Fontes: Arquivo Público - Biblioteca Nacional, Jornal do Commercio (RJ), Jornal do Brasil,

Jornal Nação Brasileira, Estacoesferroviarias.com.br, IBGE



Colaboradores: Geraldo Félix Ribeiro, Jéssica Brígido, Eduardo Carvalho, Pedro Rezende, Rafael Nogueira de Morais, Marilha Carvalho



Homenagem a todos os ferroviários cordisburguenses.

 

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