
Exibido pela primeira vez na tarde do dia 13 de novembro, para estudantes da rede municipal de ensino, no Palácio da Cultura de Matozinhos (MG), o espetáculo Chico Rei, produzido pela Cia Pé de Pano, emocionou e recebeu muitos elogios à qualidade da apresentação, mas também enfrentou reações negativas de parte da população local ao conteúdo. O espetáculo conta a história de Chico Rei e sua relação com a origem do Congado, uma das principais manifestações culturais afro-brasileiras que, recentemente, em 2025, foi declarado patrimônio imaterial do Brasil.
Ita Ferreira, dramaturga do espetáculo e uma das coordenadoras da Cia Pé de Pano, afirma que o espetáculo é resultado de seis meses de pesquisa e é inspirado livremente no livro do escritor matozinhense Agripa Vasconcelos. “Nós utilizamos instrumentos tradicionais do Congado, como o tambor mineiro, a gunga, o patangome, a alfaia e contamos a história da aparição de Nossa Senhora do Rosário aos escravizados e da captura do Rei Galanga. É uma construção cênica que fizemos com muito respeito e carinho, fundamentada na memória, espiritualidade e resistência afro-brasileira”, completa.
“Para nós da Cia Pé de Pano, todo esse preconceito manifestado contra o espetáculo Chico Rei só mostra o desconhecimento das pessoas sobre a cultura afro-brasileira, e o quanto a luta contra o racismo religioso permanece necessária. Ao mesmo tempo, reforça a importância da arte como ferramenta pedagógica e de resgate histórico. Em vez de ser visto como risco, o espetáculo deveria ser encarado como instrumento essencial para o cumprimento da lei, para a formação cidadã e para a dignidade da memória negra”, finaliza a atriz e dramaturga Ita Ferreira.
Chico Rei: da escravidão à liberdade e ao legado cultural
Segundo a história oral relatada e reconhecida em Minas Gerais, Galanga, rei africano do Congo, foi capturado e trazido ao Brasil durante o período escravista, junto a sua família e 40 homens de sua guarda pessoal. Renomeado Francisco em Vila Rica (atual Ouro Preto), conquistou sua alforria trabalhando em uma mina. A história conta que escondia ouro em seus cabelos crespos para comprar sua liberdade e, posteriormente, de todos que vieram com ele escravizados ao Brasil.
Depois disso, foi novamente coroado “rei”, dando origem ao congado mineiro, tradição que une elementos do catolicismo e culturas africanas e que, em agosto de 2024, foi declarado patrimônio imaterial de Minas Gerais, e em junho de 2025 declarado patrimônio imaterial do Brasil. O espetáculo da Cia Pé de Pano retrata a história de Chico Rei e sua influência na formação do congado mineiro, trazendo também a riqueza e a sonoridade do candombe, prática considerada precursora dessa tradição.
Um ataque à história, à educação e à liberdade artística
Para Rodrigo Jerônimo, coordenador do grupo de teatro negro Grupo dos Dez e diretor do espetáculo Chico Rei em colaboração com a Cia Pé de Pano, o episódio revela falhas na compreensão da legislação educacional brasileira. “A Lei nº 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, incluindo a valorização da contribuição do povo negro à sociedade. Essa lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e é mais um resultado da luta histórica do movimento negro brasileiro que, infelizmente, encontra resistência para ser respeitada e cumprida num país racista como o Brasil”, declara Jerônimo.
“Estou há pelo menos 15 anos trabalhando com teatro negro, circulando o Brasil, e vejo isso de forma sistemática e recorrente. Mais uma vez, tivemos a sensação de que nosso trabalho artístico foi associado de forma preconceituosa e equivocada a práticas demonizadas historicamente. Enquanto outras religiões se manifestam livremente, a nossa cultura foi questionada”, destaca Rodrigo Jerônimo, que também assina a direção, junto com o premiado diretor João das Neves (in memoriam), do espetáculo musical Madame Satã, do Grupo dos Dez, que conta a história da icônica figura da cultura negra brasileira.

Jerônimo ressalta que, ao considerar manifestações afro-brasileiras indevidas em espaço público, não apenas se nega espaço à representação artística desse legado, como também se nega direitos culturais e compromissos educacionais. “Chico Rei deveria estar sendo estudado dentro da sala de aula, não questionado após uma apresentação cultural”, observa o diretor de teatro. “Mas nós seguiremos representando artisticamente as manifestações tradicionais afro-brasileiras. Seguiremos apresentando Chico Rei, porque contar essa história é um ato de resistência. Se provocou reação, pode provocar reflexão”, conclui Rodrigo Jerônimo.

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