Arthur Igreja
Professor de Inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Especialista em inovação e redes sociais, o professor da FGV Arthur Igreja aponta a influência das fake news e dos perfis falsos nas eleições de 2018, defende a regularização das empresas de tecnologia e a retomada do papel do jornalismo na checagem dos fatos.
A digitalização alterou a forma como as pessoas consomem informação?
Sem dúvidas. De um lado tivemos uma queda abrupta na curadoria, na verificação dos fatos, um trabalho jornalístico. Todo mundo virou repórter hoje. Um influenciador digital para um grupo maior ou menor. Antes, a informação era disseminada por canais muito centralizados: jornal, rádio, TV. Eles eram imbuídos de fazer a verificação. Essa dinâmica mudou, você tem menos pessoas verificando, mas acredito que vai ter uma volta muito forte do jornalismo por isso, as pessoas vão começar a perceber que estão sendo bombardeadas por notícias que ninguém está verificando.
Os perfis falsos estão afetando o processo eleitoral?
De forma brutal. Um dos culpados são os algoritmos das redes sociais. O Facebook, para maximizar as margens, mudou a forma de mostrar conteúdo. Há anos atrás, uma postagem sua aparecia para pelo menos 10% dos amigos. Isso foi declinando ao longo do tempo. Hoje, o algoritmo do Facebook mostra uma publicação para pouca gente e normalmente aquelas que já curtem as suas postagens. Cerca de 50 pessoas. Se eles curtirem, vai aparecer para mais 100, e a coisa vai abrindo. A maior exibição é dada por um movimento de grupo. Se o grupo sinaliza que aquilo é bom, consegue criar uma movimento. Quando as fábricas de fake news perceberam isso, começaram a criar um caminhão de perfis. As primeiras fábricas de perfis falsos surgiram na China e na Índia e depois transformaram isso em robôs. O Botometer, sistema desenvolvido pela Universidade de Indiana (EUA), que consegue medir se um perfil é falso ou não, apontou que entre os presidenciáveis, no Brasil, 40% dos seguidores são falsos. Robôs criados.
É possível identificá-los?
Em termos de tecnologia não é difícil determinar o que é um perfil falso. O difícil sãos as pessoas saberem. Como a veracidade é dada pelo grupo, uma pessoa abre uma notícia com 10 mil curtidas e pensa que é verdade. Mesmo que aqueles 10 mil perfis sejam robôs. Ninguém em sã consciência vai pesquisar quem são essas 10 mil pessoas.
A campanha está sendo feita nas redes sociais?
(Na semana passada) saiu uma pesquisa de como está sendo aplicada a verba publicitária nas campanhas eleitorais. O impulsionamento de postagem é 1,6% da verba eleitoral total. É muito difícil de acreditar que seja verdade. Estou inferindo, mas é difícil acreditar e me leva a crer que de forma oficial só 1,6% do dinheiro está indo para postagem comprada, tem muita informação se alastrando por trás da cortina. Tem uma parte que está na ‘darknet’, que não conseguimos medir. Por exemplo, no debate (entre os candidatos à presidência) da Band, a hashtag debatenaband ficou nos trending topics do Twitter na Rússia. Completamente inexplicável. Mas fica fácil explicar no ponto de vista de robôs e perfis falsos.
As fake news também influenciam as eleições?
O consumo de notícia mudou nos últimos quatro anos. As redes sociais têm uma capacidade de disseminação colossal e as pessoas não têm o hábito de verificar o que recebem. Eu, por exemplo, gosto de checar uma série de fontes. A maioria não faz isso. Pega um recorte de notícia, consome, toma aquilo como verdade e tem suas opiniões influenciadas.
O uso dessas tecnologias influenciam na polarização dos debates?
Influencia e complica, porque estamos consumindo as coisas em pílulas muito breves. Se você soma isso a atomização de conteúdo, ela polariza as opiniões. Quando você se informava pelo jornal, tinha que ler para entender. Estamos em uma época que o grande trunfo do (presidente dos Estados Unidos, Donald) Trump é uma ferramenta com 140 caracteres. É um terreno muito mais fértil para avaliações superficiais. Antes, a guerra era travada no horário eleitoral e no debate. Hoje, até o debate está em um formato esquisito, com 45 segundos para falar. É impossível alguém expor uma ideia em 45 segundos. Fica uma guerra de gritos. A tecnologia e a internet acabam potencializando a polarização.
Essa estratégia está sendo usada pelos dois lados?
Sim. Está acontecendo uma coisa que há dois anos atrás ninguém iria prever. Falava-se que com a queda do Partido dos Trabalhadores (PT), a esquerda estava morta. E não é o que está acontecendo, porque a quebra aconteceu no lado oposto, no lado mais progressista. Os demais candidatos estão em um ‘centro' meio sem sabor, meio sem sal. Com a polarização, aparece mesmo quem está na ponta no debate. O centro, mais comedido, não aparece.
As tentativas de controle pelas empresas de tecnologia têm sido efetivas?
Não. O Facebook, por exemplo, prometeu alocar 20 mil pessoas trabalhando em checagem de notícias de perfis nos próximos anos. Mas está pecando na hora de anunciar seus critérios. Quando tiraram páginas do MBL (Movimento Brasil Livre) por disseminação de fake news, foram acusados de estarem censurando e atacando apenas páginas liberais. E, na lógica, para o Facebook não faz diferença se é de direita ou de esquerda. Então o que faltou? Clareza ao anunciar os critérios usados. Eles até devem ter definidos critérios, mas não contaram para ninguém. Faltou detalhamento. A Justiça Eleitoral também está perdida. Diz que vai combater as fake news, mas não diz como.
O caminho é responsabilizar mais as empresas de tecnologia?
Quando consumimos um conteúdo nas redes sociais, quem permitiu que ele fosse colocado lá foram as empresas, elas têm que se responsabilizar. Está muito fácil para essas plataformas, que hoje não têm responsabilidade de nada. Isso vai ficar insustentável ao longo dos anos. A coisa não deve ficar do jeito que está. E é natural que tenha um período de ajuste. O que é perigoso e triste é imaginar que nesse ‘faroeste’ digital, onde cada um pode fazer basicamente o que quiser, estamos vivendo um período tão crítico para o Brasil, com uma eleição tão importante e que vai definir tanta coisa.
A tecnologia não pode ser usada para combater esses problemas?
É outro lado interessante. A Argentina está virando uma referência mundial em inovação tecnológica para eleições. O Brasil ainda está tímido, mas teremos avanços no acompanhamento de propostas de governo. A própria operação Lava Jato se beneficiou com a tecnologia. O combate à corrupção avançou com uma legislação americana e depois suíça, em que os bancos passaram a ser corresponsáveis, sendo tão criminosos quanto os criminosos que armazenavam dinheiro neles. A Lava Jato foi possível por causa disso. Os bancos começaram a usar tecnologia para investigar. Hoje é difícil você sonegar imposto no Brasil por causa da tecnologia. A receita federal é incrível. Eu queria um Brasil que, no uso dos recursos públicos usasse a mesma tecnologia que usamos na captura deles, porque a receita federal é onipresente. Uma empresa não consegue sonegar. Se tivéssemos uma coisa parecida com o uso do tributo, 95% do que estamos falando estaria resolvido. A tecnologia vai trazer mais transparência. Vai ser muito mais difícil ser corrupto daqui para frente.
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