Como tantas pessoas, a publicitária Aline Oliveira, 34, tem tomado o máximo de cuidado no contato com os pais, que são idosos e moram com ela. O primeiro andar da casa fica praticamente reservado para eles, enquanto ela passa a maior parte do tempo trabalhando no quarto. Uma vez por semana, precisa trabalhar fora e acaba se expondo a mais riscos, mas, no Dia das Mães, não resistiu: “Eu confesso que dei um abraço na minha mãe, mas foi coisa super rápida”, conta.
Momentos assim, que soariam banais em um mundo anterior à pandemia de coronavírus, agora são descritos com carinho, mas também culpa, já que o distanciamento social se tornou a nova regra para cuidar de quem se ama. E não é só emocionalmente que a falta de toque pode afetar as pessoas: uma pesquisa recente mostra que ela também está relacionada a problemas de sono durante a pandemia.
Tiffany Field, médica norte-americana que fundou o Instituto de Pesquisa do Toque da Universidade de Miami, tem ouvido pessoas em isolamento durante a pandemia — na pesquisa, em andamento, 42% responderam estar sentindo moderada ou muita falta de toque, e 97% delas relataram ter problemas para dormir.
São fatores que podem estar correlacionados, de acordo com Field: “Um abraço ou um carinho nas costas estimula receptores de pressão sob a pele que aumentam a atividade do nervo vago (o maior nervo craniano). Estimular esses receptores com massagem ou exercício antes de dormir desacelera o sistema nervoso, diminuindo a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, e permite um sono profundo. Com um sono menos profundo, há emissão da substância P (um neurotransmissor que afeta o estresse e respostas emocionais). Com o estímulo dos receptores de pressão por meio de toque e exercícios, o aumento da serotonina (hormônio relacionado ao humor) ‘corta’ o cortisol, hormônio do estresse, e a substância P”.
A agitação no sono é algo que a publicitária Aline Oliveira, que cedeu a um abraço na mãe, tem sentido. Mesmo sem chegar a tocar alguém, ela diz que as noites de sono são plenas nos dias em que precisa sair de casa a trabalho e vê outras pessoas, porém tem “rolado na cama” até as 5h quando passa o dia mais solitária. “A nossa mente é cruel. Eu fico olhando para o teto e começo a visitar minha infância, os ex-namorados, pensar no que faria se tivesse dinheiro… É horrível esse sono leve, quando você não está dormindo, só está de olho fechado”, relata.
A pesquisadora Tiffany Field também lembra que o toque está relacionado à preservação das células “natural killers”, importantes no sistema imunológico — o que não quer dizer que apenas abraçar proteja contra o coronavírus. Por enquanto, quando tocar outras pessoas permanece inviável, ela aconselha investir nos exercícios solitários. “Atividades como escovar-se no banho, alongar-se, fazer yoga e andar ao redor do cômodo estimulam os receptores de pressão e relaxam o sistema nervoso”, diz a pesquisadora.
Em sua pesquisa, Field notou que as pessoas que mais declararam sentir privação do toque eram adultos entre 20 a 40 anos que vivem sozinhos, mas a sensação foi menor entre quem estava fazendo exercícios. Ela mesma diz estar investindo em sessões de yoga e aulas online de artes marciais. “Eu espero que, quando casais e famílias puderem ter mais tempo em proximidade, haja uma grande dose de toque”, conclui.
“Sem contato, estamos experimentando sentimento de desamparo”, diz psicóloga
Além dos efeitos físicos, a falta de toque pode ter repercussões emocionais, aponta a psicóloga Paula Couceiro Figueiredo. “Aprendemos que cuidamos e somos cuidados basicamente pelo contato. Sem contato, estamos progressivamente experimentando um sentimento de desamparo, de não cuidarmos das pessoas que amamos”, diz.
Paula aponta que, paradoxalmente, cuidar, neste momento, significa justamente interromper o contato físico — o que tem sido difícil para algumas pessoas. “Tenho pacientes que relatam não conseguir dormir e alguns que dizem sentir até o cheiro das pessoas distantes durante o dia”, detalha.
“A massagem em si mesmo é uma boa alternativa, e também tenho clientes que recorrem à yoga e à meditação. Já a terapia traz um viés mais individual, porque para cada pessoa o contato tem um sentido diferente. Tem pessoas que vieram de uma criação super carinhosa, em que todos se beijam e se abraçam, enquanto outras têm dificuldade em abraçar”, pontua a psicóloga.
Para alguns, cada toque tem ganhado nova importância. É o que conta o analista comercial Jonathan Cândido, 28: “Antes da quarentena, não lembro da última vez em que toquei alguém, porque a gente nunca pensa que é a última vez que vai ter esse toque. Mas há algumas semanas foi meu aniversário, e minha mãe e meu irmão, que moram comigo, fizeram um bolo surpresa. Antigamente, receber um abraço de feliz aniversário era quase um protocolo, mas agora teve outro significado. Eu quero um abraço dos meus amigos, aquele abraço que alivia”.
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